Título: Tragédia do Butantã ronda museus de ciência
Autor: Gonçalves, Alexandre ; Balazina, Afra
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2010, Vida, p. A28

Três meses após incêndio que destruiu parte de sua coleção, pesquisadores das principais instituições do País pedem medidas urgentes; governo promete divulgar edital para melhorar segurança

O incêndio do Butantã, em maio, levou preocupação para os demais museus científicos. E, apesar de muitas instituições reconhecerem problemas semelhantes aos do museu de São Paulo, não têm recursos para solucioná-los.

A diretora do Museu Nacional, Claudia Carvalho, reconhece que falta treinamento contra incêndio na instituição do Rio. "Os extintores são trocados periodicamente e estão dentro da validade, mas falta treinamento. Muitas pessoas não sabem usar o extintor", disse ela, ressaltando ser "uma delas". A coleção é formadas por cerca de 20 milhões de itens distribuídos nos acervos botânico, zoológico, geológico e antropológico.

Nilson Gabas Junior, diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, conta que recentemente a equipe se deu conta de um erro que era cometido no local. Como o álcool era comprado uma vez ao ano por meio de licitação, pesquisadores "estavam armazenando o álcool nas suas salas e nos corredores". O acervo de zoologia do museu conta com cerca de 2,2 milhões de espécimes.

Ele apontou como algumas das demandas físicas do Goeldi a "reforma dos sistemas elétricos de todos os prédios que abrigam coleções, utilizando materiais de alto padrão de segurança e a instalação de sistemas ativos anti-incêndio, adequados a cada acervo". Também abordou a necessidade de adquirir armários corta-fogo.

O diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), Hussam Zaher, considera necessário adotar medidas emergenciais. "Aqui temos 10 milhões de espécimes na coleção", calcula Zaher. "Um incêndio causaria uma tragédia maior que a do Butantã." Ele aponta que a atual reitoria da USP deseja transferir o museu do Ipiranga para a Cidade Universitária, na zona oeste de São Paulo. "As coleções cresceram exponencialmente nas últimas décadas. Precisamos de espaço", afirma.

Na 62.ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada no mês passado, em Natal, pesquisadores de todo o País defenderam investimentos nos museus. "É preciso fazer um consórcio interministerial para que se consiga uma manutenção adequada para a preservação dos acervos", diz Miguel Trefaut Rodrigues, da USP. Ele, que já foi diretor do Museu de Zoologia, ressalta que as coleções são ferramentas fundamentais para a educação dos graduandos.

Alguns pesquisadores consideram que a ligação dos museus com universidades e instituições de pesquisa - como é o caso do Museu Nacional, que pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro - também gera desafios. "Precisa concorrer com hospital, com os cursos", afirma Maria de Fatima Pereira, da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC). A diretora do Museu Nacional concorda: "O cobertor é curto." A instituição comemora 192 anos neste fim de semana e recebe cerca de 600 mil pessoas ao ano.

Fundo especial. Em junho, o ministro Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia) enviou um documento para a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) em que reconhecia a necessidade de estabelecer uma política nacional para os acervos biológicos.

Na carta, o ministério se dispõe a fazer ações de curto e médio-longo prazos. A de curto prazo é o lançamento de um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para melhorar a segurança dos museus. Para Zaher, os recursos devem priorizar três instituições: o Museu Goeldi, o Museu Nacional e o Museu de Zoologia da USP. "Eles guardam 90% do acervo do País", argumenta.

No médio-longo prazo, o ministro compromete-se a liderar a criação de um fundo especial para possibilitar a criação de uma Política Nacional para as Coleções Científicas. Os recursos não deverão sair somente de ministérios e organismos internacionais, mas também do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Fundo Amazônia e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).