Título: Construções megalomaníacas inflam a perigosa bolha chinesa
Autor: Wagner, Wieland
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2010, Economia, p. B9

Apesar de o governo ter reduzido crédito e criado imposto sobre propriedade, estouro parece iminente com consequências desastrosas

O interminável ruído de serras, furadeiras, martelos e maquinário pesado rasga o opressivo calor e a umidade do verão na cidade de Tianjin, no norte da China. Na empoeirada periferia da cidade, centenas de novos prédios residenciais e casas de todos os estilos imagináveis são erguidos.

Num salão com ar-condicionado, vendedores acompanham potenciais compradores em passeios pela instalação. "Num único ano, já vendemos 90% da América do Norte, Ásia e Europa", diz orgulhoso o consultor Qi Yunbu. "Agora estamos preparando a venda da África, Oceania e América do Sul."

"Xingyao Wuzhou", que pode ser livremente traduzido como "Estrela Brilhante sobre os Cinco Continentes", é o nome dado a essa mistura chinesa de Dubai e Disneylândia, um empreendimento de US$ 3 bilhões projetado como imitação do mapa mundial. O gigantesco complexo residencial e de lazer está sendo construído em torno e dentro de uma lagoa artificial.

Os construtores parecem querer se certificar de que os moradores desse paraíso não sintam falta de nada. Os planos incluem a construção do maior centro mundial de esqui indoor, campos de golfe, um hotel de sete estrelas, a maior fonte musical do mundo, e miniaturas de estruturas famosas como a Tower Bridge, de Londres, e a Ponte Golden Gate, de San Francisco.

A megalomania está a todo vapor na próspera economia chinesa. Qi mostra maquetes de mansões instaladas num exclusivo local na beira da água. Tais propriedades só serão vendidas no fim, diz ele. Desde o início das vendas, o preço do metro quadrado já aumentou entre 4 mil e 5 mil yuans (de US$ 590 a US$ 740). Os investidores esperam que seus lucros aumentem com o início de cada fase da construção.

O otimismo calculista forma a frágil base sobre a qual projetos semelhantes prosperam em toda a China. As dúvidas são um tabu, especialmente agora que o clima começa a mudar, ao menos do lado de fora dos atraentes salões de vendas. Fala-se mais e mais na possibilidade de a bolha estourar em breve, e alguns dizem que o ponto de virada já foi atingido - com consequências imprevisíveis para o restante da economia global.

Em junho, o preço dos imóveis em 70 grandes cidades chinesas caiu em relação ao mês anterior pela primeira vez em quase 18 meses - a queda foi de 0,4% para novas construções e de 0,1% para estruturas existentes.

As estatísticas mostravam também que a economia cresceu apenas 10,3% no segundo trimestre, em relação ao mesmo período do ano anterior. O crescimento nos primeiros três meses do ano ainda foi de 11,9%. O declínio no crescimento parece ridículo quando comparado às condições dos países ocidentais industrializados. Mas para a República Popular, cujo modelo de desenvolvimento exige crescimento recorde para evitar que a economia caia rapidamente num declínio, os dados recentes são inquietantes.

Países ocidentais exportadores, como a Alemanha, que devem às encomendas da China parte de sua recuperação gradual desde a crise global, também são lembradas dos riscos no Leste Asiático. "Começamos a ver o colapso na propriedade, e o sistema bancário será atingido", alertou recentemente Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional. "Trata-se de uma bolha."

Ameaça. Até Xu Shaoshi, ministro chinês das terras e recursos, teme que o mercado imobiliário possa passar por uma "correção total" no terceiro trimestre - mas acrescenta que isso não se assemelhará à crise vivida pelos Estados Unidos. Lá, ela teve início quando os bancos começaram a emitir um número cada vez maior das chamadas hipotecas subprime. Pessoas que na verdade não poderiam comprar um imóvel foram atraídas por empréstimos de juros baixos e pela promessa da grande probabilidade de seu imóvel sofrer uma valorização, essencialmente pagando o próprio custo.

Quando os preços dos imóveis começaram a recuar pela primeira vez, centenas de milhares de pessoas se viram impossibilitadas de arcar com o pagamento. A crise imobiliária se transformou numa crise bancária, e depois numa crise de endividamento para todo o mundo ocidental. As consequências podem ser sentidas hoje, principalmente pelos milhões de desempregados americanos que perderam suas casas e pelos cidadãos de países da zona do euro como a Grécia.

A China, que por muito tempo pareceu imune ao aperto global, enfrenta agora a ameaça de uma crise imobiliária doméstica. Isso pode significar problemas para muitos governos municipais, que em alguns casos financiaram quase um terço de seus principais projetos de infraestrutura - como aeroportos e estações de trem - com a venda de terra cultivável para magnatas do setor imobiliário.

Limites. Os municípios chineses venderam 319 mil hectares de terras somente em 2009, um aumento de 44% em relação ao ano anterior. Os governos municipais solicitaram aos bancos pesados empréstimos, esperando que o preço das terras e terrenos continuaria a aumentar.

Agora, até a China enfrenta os limites do próprio crescimento, colocando em risco um dos pilares de sua economia. Durante a implementação dos programas de estímulo econômico, o governo injetou 4 trilhões de yuans (cerca de US$ 590 bilhões) no maior pacote de resgate jamais visto na República Popular.

Inicialmente, isso levou a um imenso boom na construção, às vezes com consequências drásticas, entre elas, o uso frequente de métodos brutais para expropriar cidadãos. Desde meados do ano passado, os bancos registraram aumento de mais de 40% no seu inventário de imóveis. Isso levou a um planejamento deficiente, pagamentos suspeitos e, em muitos casos, a uma explosão nos preços que afeta diretamente a população em geral.

Poupar dinheiro é algo que simplesmente não compensa na China. Depois de algumas turbulências no mercado, os cidadãos estão se afastando do investimento em ações. Durante muito tempo, os chineses consideraram a compra de uma casa como o mais sensato e lucrativo dos investimentos. Em cidades como Pequim e Xangai, eles gastam cerca de 20 vezes o salário anual para comprar sua participação num condomínio. Em Tóquio, por exemplo, a média é de 8 vezes o salário.