Título: O que queremos do BNDES?
Autor: Almeida , Mansueto
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/08/2010, Espaço aberto, p. A2

A demanda por maior transparência quanto ao custo dos empréstimos do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se transformou numa falsa batalha entre quem é a favor e quem é contra esse banco. Esse debate deveria focar duas questões simples: o que se espera do BNDES e a fonte de recursos para ele. Mas os que tomam a si "a defesa do BNDES" podem estar, na verdade, prejudicando o banco com argumentos falaciosos.

Primeiro, muitos dizem que o endividamento do Tesouro Nacional para capitalizar o BNDES gera lucro para o banco, que volta na forma de dividendos para o Tesouro. De 2001 a 2009, o ano de maior resultado do banco antes do pagamento de impostos foi 2007, R$ 10 bilhões, para um desembolso total de R$ 64,9 bilhões. Em 2009 o banco desembolsou mais que o dobro de 2007, R$ 137,4 bilhões, e o lucro foi de R$ 9 bilhões. Ou seja, não há absolutamente nenhuma relação direta entre desembolsos do BNDES e o seu resultado. Ademais, parte dos dividendos pagos pelo banco à União em 2009 foram retidos de anos anteriores. Em 2007, por exemplo, para um resultado de R$ 10 bilhões, apenas R$ 924 milhões foram recolhidos à União na forma de dividendos.

Segundo, muitos argumentam que é provável que a diferença entre TJLP e Selic desapareça ao longo do tempo e, assim, o custo fiscal dos empréstimos do Tesouro ao BNDES poderia desaparecer. Sim, é possível que haja uma convergência entre essas taxas no longo prazo, mas é também verdade que hoje a diferença de 4,75 pontos porcentuais entre elas representa um custo financeiro de mais de R$ 8 bilhões ao ano em cima dos R$ 180 bilhões emprestados pelo Tesouro ao BNDES. Adicionalmente, a sequência de aumentos da dívida pública bruta altera a trajetória da Selic e dificulta a convergência. Quanto mais o governo emitir títulos para esterilizar a acumulação de reservas e/ou emprestar ao BNDES, maior será a taxa de juros cobrada pelo mercado, dada a baixa poupança doméstica, e mais difícil será essa convergência.

Terceiro, o esporte comum no Brasil de hoje é jogar pedras no "incompetente Banco Central, que atrapalha o crescimento do Brasil". O engraçado é que o presidente do BC, Henrique Meirelles, ao contrário dos ministros da Fazenda e do Planejamento e dos secretários do Tesouro Nacional e da Receita Federal, foi o único mantido no cargo ao longo dos oito anos do governo Lula. O que parece indicar que nosso presidente acredita na competência de Meirelles, que teve seu cargo elevado à categoria de ministro de Estado apenas neste governo. O presidente da República jamais faria isso com alguém supostamente "incompetente".

Quarto, alguns economistas defendem os empréstimos subsidiados do Tesouro ao BNDES porque as taxas de juros dos empréstimos na China são menores e, assim, o governo, via BNDES, tem o dever "cívico" de baratear o custo do crédito para as empresas brasileiras que competem num mundo globalizado. Há muitas coisas no Brasil que são diferentes da China, como, por exemplo, a carga tributária, que é de menos de 20% do PIB lá e de 36% do PIB aqui, além do nosso raquítico investimento em infraestrutura - ver comunicados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) n.º 52 e n.º 54 de 2010.

A verdade é que há hoje o sentimento de que todos os problemas de crescimento do Brasil podem ser resolvidos pelo fortalecimento do BNDES, sem que se discuta de quanto o banco precisa para essa tarefa hercúlea. O principal funding do BNDES são os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) - 40% da arrecadação anual do PIS/Pasep que é emprestada ao BNDES e paga ao longo do tempo à medida que o FAT necessite desses recursos. Na média dos últimos três anos, os empréstimos do FAT ao BNDES foram de R$ 10,9 bilhões, mas quando se computam os pagamentos do banco ao fundo, a entrada líquida de recursos ficou, na média, em só R$ 2 bilhões ao ano.

Some-se a esses recursos o retorno dos investimentos antigos, que nos últimos três anos ficou na faixa de R$ 50 bilhões a R$ 70 bilhões, e temos um banco com perto de R$ 72 bilhões para empréstimos anuais. É claro que o BNDES tem outras fontes de recursos (carteira de renda variável, captação interna e externa), mas estes mal compensam os desembolsos do banco com serviços da dívida e com despesas tributárias e administrativas. Assim, sem recursos do Tesouro o BNDES não tem capacidade de empréstimo anual muito acima de R$ 70 bilhões.

Chegou a hora de a sociedade decidir o que quer do BNDES. Deve ser um banco voltado principalmente para o financiamento de projetos de infraestrutura? Que tipo de projetos? Qualquer projeto ou de preferência aqueles em que o retorno social seja maior que o privado? Que volume de recursos o banco deverá pôr à disposição para financiar as exportações e os investimentos de longo prazo? O BNDES deve financiar a internacionalização de empresas? Que tipo de empresas, em que condições e qual o volume de recursos alocados para essa finalidade? O BNDES deve financiar operações de fusões e aquisições? Em que setores e por quê?

O que os "supostos críticos" do BNDES querem é que essas perguntas sejam respondidas. A sociedade pode até decidir que é necessário aumentar alguns impostos ou criar um novo para aumentar a capacidade de empréstimo do banco. O mais interessante nesse debate é que os que se autodenominam "defensores do investimento" não querem debater como podemos fortalecer o BNDES que não seja pelo aumento da dívida pública. Talvez o presidente do banco, Luciano Coutinho, seja um dos poucos que entendem esse problema e por isso tenha defendido, em entrevista ao Estado (25/10/2009), a necessidade de aumento da poupança pública. O que estamos fazendo hoje via BNDES é aumentar a dívida para aumentar o investimento público e privado, algo que já fizemos na segunda metade dos anos 1970 e "não poderia ter dado errado".

TÉCNICO DE PLANEJAMENTO E PESQUISA DO IPEA