Título: Tesouro perde com manobra fiscal
Autor: Graner,Fabio; Fernandes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2010, Economia, p. B4

Ao recorrer ao BNDES para garantir superávit, Tesouro terá gastos futuros

BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

Para melhorar a imagem das contas públicas neste ano, o Tesouro Nacional está impondo um custo fiscal indireto aos cofres públicos.

Para receber em agosto R$ 1,4 bilhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e elevar o superávit primário - a economia para pagamento de juros da dívida -, o Tesouro cedeu ao banco estatal dividendos previstos para serem pagos pela Eletrobrás ao governo nos próximos anos.

O ganho do BNDES com a operação será equivalente à taxa Selic, segundo o banco. Esse rendimento corresponde à receita a qual o Tesouro abriu mão de receber no futuro para ter, de uma vez só em agosto, os dividendos da Eletrobrás.

De acordo com o BNDES, a operação com o Tesouro é classificada como investimento financeiro em renda fixa com o setor elétrico, equilibrando a posição da carteira de investimentos do banco. A definição como renda fixa se deve ao fato de que os dividendos a serem pagos pela Eletrobrás ao banco já foram aprovados e são conhecidos.

De acordo com o banco, a empresa de energia fará o pagamento desses dividendos em quatro parcelas anuais, mas não foi informado se isso ocorrerá já a partir do ano que vem ou mais à frente.

Cálculo. Em um cálculo simples, feito por um economista do mercado, considerando a Selic de 10,75% ao ano e o pagamento em quatro anos, a instituição receberia anualmente R$ 448,85 milhões, que somados dariam R$ 1,795 bilhão - montante R$ 395 milhões maior do que o antecipado ao Tesouro pelo banco. Vale ressaltar que essa é só uma simulação, já que os detalhes da operação não foram divulgados pelo governo.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, afirmou que a operação é rentável para a instituição de fomento. Segundo ele, a medida vai resultar em receitas futuras para o banco e não vai reduzir a capacidade de concessão de empréstimos pela instituição no curto prazo.

Ele explicou que o BNDES tem reservas de ativos líquidos que podem ser usadas para operações como esta. Para Coutinho, a medida não distorce a política fiscal. De acordo com ele, a alteração é legítima e aumenta as receitas do Tesouro. Ele afirmou ainda que não estão previstas novas operações desse tipo.

Vai e vem. Apesar de lucrativa para o BNDES, a medida representa mais um custo fiscal embutido na relação do Tesouro com o banco estatal.

Nesse caso, porém, o objetivo é diferente de outras operações, como os empréstimos que, no total, somaram R$ 180 bilhões feitos pelo Tesouro para viabilizar um maior volume de financiamentos do banco estatal durante a crise e também neste ano.

Transações. Nos últimos dois anos, o BNDES e o Tesouro têm feito uma série de transações bilaterais de recursos. Se por um lado o Tesouro emprestou R$ 180 bilhões para o BNDES, por outro os cofres da União têm sido favorecidos por recursos transferidos pelo banco.

Mas numa espécie de vai e vem de transferência de recursos, o Tesouro também foi beneficiado com repasses pelo banco que ajudaram no cumprimento da meta de superávit primário.

No último dia de 2009, o governo federal recebeu um reforço de caixa de R$ 3,5 bilhões do BNDES numa operação de compra pelo banco de dividendos que a União tem para receber da Eletrobrás, semelhante à anunciada ontem. A medida reforçou o superávit primário das contas do setor público, num ano em que a arrecadação despencou por causa da crise.

Em outra operação para garantir o cumprimento da meta de 2009, o BNDES devolveu ao Tesouro cerca de R$ 4,2 bilhões de subsídios ao setor privado em financiamentos do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND). O banco também repassou ao Tesouro, em 2009, R$ 14,5 bilhões em dividendos, quase metade do recebido pela União de todas empresas em que é acionista.

Agora, com a operação de ontem com dividendos, o BNDES volta a ajudar novamente a União com recursos para o superávit. Paralelamente, o Tesouro reforçou o capital do banco duas vezes este ano por meio de trocas de ativos, sem que precisasse desembolsar recursos.