Título: Operação do Banco Santos sob suspeita
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2010, Economia, p. B3
Massa falida concede créditos considerados "estranhos" pelo próprio administrador
A massa falida do Banco Santos, representada pelo seu administrador, Vânio Aguiar, fechou um acordo com um dos credores da instituição que está sendo investigado. Trata-se de um posto de gasolina localizado em Juiz de Fora (MG), que possui créditos cedidos pelo banco quebrado num valor corrigido aproximado de R$ 50 milhões (originalmente, eram R$ 7 milhões).
O crédito é fruto de empréstimos concedidos pelo Banco Santos a empresas de diversos setores da economia. Profissionais que acompanham o caso chamam a atenção para alguns problemas nessa relação.
A advogada Adriana Cury Severini, que representa um dos devedores das cessões, pediu ao Ministério Público a averiguação dos fatos. A promotora Maria Cristina Martins Panattoni, que recebeu o documento, disse ao Estado que remeteu o assunto para o 1.º Distrito Policial (Sé) da capital.
Dúvidas. A primeira dúvida dos profissionais envolvidos no caso é que o posto tem capital social de só R$ 55 mil e, portanto, é suspeito que tenha direito a valores tão elevados. Em segundo, as cessões foram feitas dias antes da intervenção do Banco Central na instituição. O próprio Aguiar, em documento de 2007, colocou em dúvida as cessões.
Além disso, os profissionais argumentam que o posto deveria entrar na massa falida como qualquer outro interessado (até agora, só 10% do prejuízo original, sem correção, foi ressarcido aos quase 2 mil credores).
Aguiar e o posto firmaram o contrato em 20 de julho de 2009, que resultou no recebimento, pelo posto, de R$ 1,061 milhão. Os outros valores estão sendo discutidos na Justiça.
No processo de falência, que tem dezenas de milhares de páginas, há uma manifestação de Aguiar, datada de 13 de junho de 2007, na qual ele mesmo considera "estranha" a operação de cessão para o posto. Na ocasião, ele também atentou para o fato de que nenhum representante do posto havia se habilitado para receber o dinheiro no prazo determinado pela Justiça.
Como se aproximava a data de prescrição para o posto reivindicar as cessões, Aguiar solicitou ao juiz que cuida do processo de falência, Caio Marcelo Mendes de Oliveira, que os valores fossem incluídos na massa. Foi atendido. Um pouco depois, em abril de 2008, o posto pediu ao juiz que suspendesse a transferência do direito de cessão para a massa. Em julho, o juiz indeferiu o pedido, argumentando que "a arrecadação (pela massa) já se operou e o interessado deverá valer-se dos meios próprios para preservação de seus direitos".
Procurada pelo Estado, a advogada do posto, Gerusa Del Piccolo Araújo de Oliveira, explicou que, em vez de prosseguir com a discussão na Justiça, preferiu procurar diretamente a massa falida. As duas partes, segundo ela, se entenderam e acabaram firmando o contrato pelo qual a massa remeteu aos donos do posto 90% do valor recuperado, referente a uma das cessões. A massa ficou com 10% a título de remuneração pelo serviço.
Acordo. Aguiar foi procurado pela reportagem, mas afirmou que não se pronunciaria sobre o caso por intermédio da imprensa. Disse que se manifestou quando foi solicitado pelo Ministério Público de São Paulo e alegou que tudo o que fez (e faz) é homologado pelo juiz e pelo presidente do Comitê de Credores do Banco Santos, Jorge Washington de Queiroz.
Uma das principais dúvidas sobre a atuação de Aguiar diz respeito ao fato de ele ter feito o acordo mesmo depois de o juiz do caso ter se recusado a atender à demanda do posto para que as cessões fossem retiradas do âmbito da massa.
Queiroz conversou com o Estado. Em um primeiro momento, afirmou que não se lembrava do caso do posto - embora tenha anuído o contrato assinado entre Aguiar e o posto. Ao longo da conversa, ele se recordou. "Foi uma operação padrão. Não houve nada de estranho nem que prejudicasse os credores."
O advogado Luiz Eugênio Müller Filho, do escritório Lobo & Ibeas, que representa 28% dos credores, considera as cessões "suspeitas". Ao analisar documentos a pedido do jornal, ele se surpreendeu com o fato de a massa ter ficado com só 10% dos valores recuperados no caso do posto. "Mesmo quando instado a aparecer, o posto ficou quieto", disse. "Além disso, causa surpresa que o representante dos credores tenha anuído com tal acordo sem mais questionamentos."
Origem. A história suspeita do posto com o Banco Santos começa em novembro de 2004, nove dias antes de o BC decretar a intervenção na instituição. Naquela data, foram efetuadas cessões de crédito de R$ 7 milhões em nome do Posto São José. O crédito é fruto de empréstimos concedidos pelo banco.
Esses empréstimos eram parte das chamadas operações casadas. Nessas transações, uma empresa tomava um empréstimo e automaticamente investia o dinheiro em debêntures de outras subsidiárias do banco.
A vantagem da empresa na operação era a diferença entre a taxa de juros cobrada no empréstimo, inferior à que ganhava ao aplicar na debênture. Para o banco e suas subsidiárias, a vantagem era a expansão dos ativos.
Há centenas de ações tramitando na Justiça de empresas que questionam as dívidas. Elas dizem que o empréstimo era apenas uma operação casada com a debênture. Logo, ambos deveriam ser cancelados. Em geral, a Justiça tem dado ganho de causa à massa falida.
Memória O Banco Santos foi liquidado por gestão fraudulenta em 2004. Na época, os correntistas tiveram saques limitados a R$ 20 mil para contas à vista e cadernetas de poupança.