Título: Cartéis mexicanos usam disfarce para atuar na fronteira
Autor: Portela, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2010, Internacional, p. A16

Para driblar as polícias no México e nos EUA, narcotraficantes

O motorista usava um uniforme de policial e jurou ser um legítimo representante da lei. Mas, para os agentes da patrulha de fronteira, instalados num posto de controle em Zapata, no Estado do Texas, havia algo estranho com a caminhonete pintada com apliques do xerife de Webb County.

Monica Almeida / NYT Os agentes resolveram telefonar para a central e descobriram que todos os veículos do xerife estavam na delegacia. Quando abordaram o motorista, descobriram que se tratava de um impostor, trazendo 450 quilos de maconha.

Com ousadia cada vez maior, gangues de traficantes de drogas e organizações de contrabando em ambos os lados da fronteira estão disfarçando seus entregadores e assassinos com uniformes e veículos falsos, transformando-os em carteiros, funcionários da indústria do petróleo ou soldados mexicanos e xerifes texanos.

Traficantes já foram flagrados mais de uma vez transportando maconha pela fronteira com o Texas em versões falsas de caminhões da Wal-Mart e furgões da FedEx. Já recorreram a ônibus escolares falsos, caminhões de lixo e ambulâncias de mentira.

Os policiais chamam de "clonadores" os criminosos dessa categoria e os veículos falsos têm sido cada vez mais utilizados em zonas de conflito nas quais a distinção entre bandidos e policiais é borrada pela corrupção.

"Acredite no que eu digo, os traficantes pensam em tudo muito antes de nós e, com a internet e um trabalho competente de funilaria, não é difícil fazer um clone desse tipo", disse Jose Gonzales, patrulheiro encarregado de região de Zapata.

Em um dos casos de maior ousadia, gângsteres a bordo de um comboio de sete carros falsos da polícia sequestraram este mês um prefeito em sua casa perto de Monterrey, no norte do México. O corpo do prefeito, vendado e de mãos atadas, foi encontrado dois dias depois em uma estrada da zona rural. Supostamente, os assassinos seriam policiais civis usando uniformes da polícia federal.

Burton, ex-agente especial de segurança diplomática do Departamento de Estado dos EUA, disse que os traficantes estavam usando uma ferramenta comum entre espiões. "Que tipo de carro chama mais a atenção em um posto de controle da fronteira, um furgão de entregas ou uma picape envenenada com janelas escurecidas e calotas reluzentes?", questiona.

Em um rancho isolado no norte do México, onde os corpos amarrados e amordaçados de 72 imigrantes ilegais foram encontrados na semana passada, soldados descobriram que os assassinos usaram uma picape clonada, pintada de verde-oliva, com decalques e placas do Exército mexicano.

Ousadia. No Mississippi, em 2006, policiais apreenderam quase 400 quilos de cocaína a bordo de um furgão coberto com decalques de empresas de televisão a cabo. Os traficantes chegaram até a colar um adesivo em que se lia a frase "Como estou dirigindo?" na traseira do veículo. O número de telefone indicado no adesivo pertencia a um serviço adulto de bate-papo.

Autoridades americanas dizem acreditar que veículos aposentados do serviço público e vendidos em leilões e eventos do tipo têm sido cada vez mais cobiçados pelos traficantes de drogas.

No México, os cartéis pagam todos os anos cerca de US$ 1,2 bilhão em subornos à polícia civil. Os policiais são tão corruptos e mal treinados que o presidente mexicano, Felipe Calderón, quer acabar com os departamentos de polícia civil e substituí-los por forças do Estado.

Acostumados aos abusos dos policiais sedentos por propinas, os mexicanos sabem que não devem confiar em oficiais uniformizados. A situação torna-se ainda mais confusa porque as autoridades mexicanas ocultam seus rostos do público por medo de se tornarem alvo dos cartéis de traficantes.

Com suas onipresentes máscaras pretas, os policiais que patrulham as cidades mexicanas se parecem com ladrões de banco. Disfarces como esses fazem com que os criminosos tenham mais facilidade para se passar por agentes da lei.

A ameaça de novos ataques com veículos clonados tornou-se tão séria que o Exército mexicano decidiu mudar seu uniforme, trocando a camuflagem por padrões de estampa mais difíceis de serem copiados, de acordo com Enrique Torres, porta-voz das operações policiais e militares no Estado de Chihuahua.

PARA ENTENDER

Soldados de elite formaram os Zetas

Um dos cartéis de narcotraficantes mais temidos do México é o dos Zetas, responsável pelo massacre de 72 imigrantes no dia 25, no Estado mexicano de Tamaulipas. O cartel foi formado em 1997 por ex-policiais e militares de tropas de elite, muitos deles veteranos da Escola das Américas, fundada pelos EUA para fomentar o combate a guerrilhas de esquerda na América Latina. Os Zetas foram criados para ser o braço armado do cartel do Golfo. Em 2007, houve uma cisão e os dois cartéis passaram a disputar rotas de tráfico. Eles têm dificuldade para comprar cocaína. Por isso,diversificam a receita, apostando no tráfico de pessoas.