Título: Empresas brasileiras já têm mais de US$ 15 bi em investimentos na África
Autor: Pacheco, Paula
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2010, Economia, p. B11

Para desenvolver projetos bilionários de mineração e infraestrutura, empresas têm de aprender a lidar com os costumes de cada país

A decisão de um profissional de uma empresa brasileira foi responsável por uma briga de pedras em um vilarejo no interior do Gabão. Moradores de vilas vizinhas, tradicionalmente rivais, partiram para a luta depois que a Vale resolveu misturá-los em um canteiro de obras. A iniciativa, que parecia bem intencionada, foi um desastre, mas serviu de lição para a mineradora brasileira.

A Vale está presente em seis países africanos e tem investimentos ao longo dos próximos anos da ordem de US$ 11 bilhões, entre compras de minas e obras de infraestrutura. Seu presidente, Roger Agnelli, não economiza no entusiasmo. Ele costuma dizer que o mais encantador no continente é que cedo ou tarde tudo que parece ser apenas um projeto passará para o plano da realidade.

A promessa de ser uma nova China aos olhos dos investidores internacionais têm feito do continente africano uma aposta também para empresas brasileiras. Alguns dos principais grupos nacionais elegeram a África como prioridade. Entre investimentos próprios e execução de projetos, os negócios das empresas Vale, Odebrecht, Camargo Correa e CSN são da ordem de US$ 15 bilhões.

As áreas de interesse são diversificadas, como mineração, cimento, finanças, agricultura e petróleo. Diferenças culturais, de regime político ou opção religiosa não inibem os projetos. O momento é de investir na África por conta do preço dos ativos, ainda atraentes, do potencial de consumo e da busca de alternativas a mercados tradicionais, como Estados Unidos e Europa, ainda em ritmo fraco de recuperação.

O mais recente projeto da Vale na África foi assinado no mês passado com o governo da Libéria para o desenvolvimento de infraestrutura para a instalação e operação ferroviária e portuária. Com isso, a companhia vai integrar seu projeto de minério de ferro na Guiné e escoar a produção para o exterior.

Eduardo Ledsham, diretor executivo de Exploração, Energia e Projetos da Vale, coleciona histórias como a guerra de pedras no Gabão. "Aprendemos, por exemplo, que é preciso ouvir o habitante mais antigo desses lugares. Nessa localidade era o morador sênior quem definia aqueles que trabalhariam no projeto", conta. Não escutá-lo na hora de demitir ou contratar poderia colocar a relação em risco.

Banheiro. Em Moçambique, não bastou o idioma em comum para acertar como seria a relação entre população e empresa. A Vale precisou construir uma vila para remover a comunidade que vivia próximo a um de seus projetos. Logo nas primeiras visitas durante a construção das novas moradias a população notou algo de errado. O projeto incluía um banheiro do lado de dentro do imóvel. Mas segundo os costumes locais, o correto é o sanitário do lado de fora. O jeito foi fazer as alterações para evitar problemas maiores.

Lourenço Marizane é um dos líderes comunitários de Mitete, onde está a mina de carvão de Moatize. Ele explica que havia um clima de desconfiança no começo por se tratar de uma empresa estrangeira. "Passado algum tempo a comunidade decidiu aceitar a ideia de mudar a vila para outro lugar", conta.

Segundo Ledsham, depois do Brasil, a África é a prioridade para a Vale. "É onde temos acesso a outros minérios, com custo operacional baixo porque estão na superfície", explica.

A Odebrecht é uma das mais antigas empresas brasileiras no continente. Chegou há 31 anos. Com tantos investimentos, ganhou o posto de maior empregador privado de Angola. Em 2009 o continente foi responsável por R$ 4 bilhões da receita da companhia, ou 10% do volume total. Entre os projetos mais recentes estão um em Gana e outro na Guiné Equatorial, ambos orçados em US$ 300 milhões.

"Hoje o interesse do mundo está voltado para a África", diz Luiz Rocha, presidente da Odebrecht Internacional.

Apesar da experiência internacional, ainda hoje a companhia surpreende com alguns costumes. No canteiro de obras de um porto na Líbia, a empresa oferece quatro variedades de gastronomia para atender ao paladar de trabalhadores de diferentes cantos. Há comida ocidental, tailandesa, indiana e árabe.

Bilhões. Para a Camargo Corrêa a experiência é mais recente. Em junho passado a empresa adquiriu 51% das ações da Cimentos Nacala, sediada em Moçambique. Na ocasião também foram compradas algumas reservas de calcário na região. No mesmo país, a construtora tem ainda uma parceria com a Energia Capital para construir uma usina hidrelétrica. O projeto é estimado em US$ 2 bilhões.

Em julho foi a vez de a Camargo Corrêa Cimentos anunciar US$ 400 milhões em investimentos para construir uma unidade cimenteira em Angola por meio da marca Cimento Palanca. Segundo José Édison Barros Franco, presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa Cimentos, as primeiras sondagens no continente começaram a ser feitas há cinco anos. "É uma oportunidade a ser aproveitada a partir de agora", avalia.

A CSN partiu para a África no fim do ano passado ao comprar por US$ 175 milhões uma participação na Riverdale, com negócios em carvão na África do Sul e Moçambique. Outra brasileira que entrou na África é a Votorantim Cimentos, por meio de participação no capital da Cimpor.

A estatal brasileira Petrobrás, por sua vez, tem experiência na África, onde começou em 1973, em Madagáscar. Hoje ela atua na exploração e produção de petróleo e gás natural.