Título: Papa admite falha em evitar abusos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2010, Vida, p. A24
Na primeira visita oficial de um papa à Grã-Bretanha, Bento XVI critica lentidão da Igreja em coibir pedofilia e as ''formas agressivas'' de secularismo
No primeiro dia de sua visita à Grã-Bretanha, o papa Bento XVI admitiu que a Igreja Católica não foi "suficientemente rápida ou decisiva para tomar as medidas necessárias" contra os casos de abuso sexual de menores por membros do clero. Ele também criticou "formas agressivas" de secularismo e, dirigindo-se aos jovens, fez advertência contra "tentações" como sexo e drogas.
A viagem de quatro dias, a primeira de um papa ao país como chefe de Estado desde 1534 - a passagem de João Paulo II, em 1982, foi apenas pastoral -, é marcada não apenas pela recente onda de denúncias em vários países, mas pela cisma histórica entre a Grã-Bretanha e o Vaticano, que culminou com a criação da Igreja Anglicana (mais informações nesta página). Apenas 10% da população do país é católica.
Muitos britânicos se opõem aos católicos em relação a homossexualidade, aborto e prevenção à aids por meio do uso do preservativo. A mídia britânica também critica a viagem, em especial o gasto de 12 milhões de libras (R$ 32 milhões) do Estado com segurança.
Ainda assim, uma multidão de 125 mil pessoas foi saudar o pontífice, que passeou pelas ruas de Edimburgo em seu papamóvel. Apenas 80 pessoas apareceram para protestar. Em Glasgow, onde Bento XVI celebrou uma missa à tarde para 65 mil pessoas (eram esperadas 100 mil), com show de abertura da cantora Susan Doyle, apenas um grupo de cerca de 20 indivíduos protestou contra as posições da Igreja.
Bento XVI também se encontrou com a rainha Elizabeth II em Edimburgo, em seu primeiro compromisso do dia. Ambos lembraram as tradições cristãs dos bretões e fizeram votos de cooperação entre as Igrejas Católica e Anglicana.
Lamento. Durante o voo para a Grã-Bretanha, o papa lamentou em entrevista os casos de abuso sexual de menores por membros do clero. Ele disse considerar "difícil de entender" como um padre que se compromete a ser a voz de Cristo ao ser ordenado "possa cair nessa perversão". "Também é triste que a autoridade da Igreja não tenha sido suficientemente vigilante." Bento XVI disse que as vítimas são a maior prioridade da Igreja e insistiu que padres que abusaram de jovens nunca mais devem ter acesso a eles, porque sofreriam de uma doença que a "boa vontade" não é capaz de curar.
As afirmações do papa foram consideradas insinceras pela Rede dos Abusados por Padres, o principal grupo de vítimas nos EUA. "Em todo o mundo, bispos continuam a escolher o silêncio em vez da honestidade" em relação aos escândalos sexuais, disse Joelle Casteix, porta-voz do grupo. O Vaticano não confirmou uma possível reunião do papa com vítimas britânicas.
Ao chegar a Edimburgo, Bento XVI pediu aos britânicos que "mantenham o respeito pelos valores tradicionais e expressões culturais que as mais agressivas formas de secularismo não mais toleram". Como exemplo, o papa alemão lembrou o nazismo e a luta dos britânicos contra ele.
Na missa em Glasgow, o pontífice alertou os jovens para o perigo das tentações na forma de drogas, dinheiro, sexo, pornografia e álcool, "que o mundo diz que lhes trará felicidade". Hoje, o papa discursa no Parlamento, com a presença dos quatro últimos primeiros-ministros do país.
PARA LEMBRAR
Ruptura com Roma gerou o anglicanismo
O anglicanismo surgiu após uma ruptura do rei Henrique VIII com Roma, no século XVI, por razões que pouco tiveram a ver com religião.
Em 1527, Henrique VIII solicitou ao papa Clemente VII a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão, porque ela não tinha condições de gerar um herdeiro. O rei também pretendia se casar com sua amante, a marquesa Ana Bolena.
Com a recusa do pontífice, Henrique VIII decide fundar sua própria doutrina religiosa. Ele se proclama chefe da Igreja da Inglaterra e faz com que o arcebispo de Canterbury, a quem nomeia primado da nova igreja, anule seu casamento.