Título: Quanto mais quente melhor?
Autor: Graner, Fabio ; Fernando Nakagawa
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/10/2010, Economia, p. B1

O relatório trimestral de inflação de setembro pinta um quadro bastante tranquilo - ao contrário de três meses atrás. O tom benigno é consistente com outras sinalizações recentes. E reforça a percepção de que o Banco Central (BC) está bastante confortável em não aumentar os juros tão cedo. O relatório conclui que a economia cresce em ritmo condizente com o sustentável em longo prazo. Julga que o cenário internacional tem influência favorável sobre a inflação doméstica, e parece tranquilo quanto aos riscos domésticos.

O que pode dar errado? Em primeiro lugar, inflação de alimentos. Há um choque a caminho. O relatório minimiza as preocupações. Mas esse deve ser um tema importante nos próximos meses. Como digerir o choque de alimentos? O risco de alguma azia é real.

Em segundo lugar, mercado de trabalho. A taxa de desemprego bate recordes de baixa, e salários nominais sobem bem acima da inflação. Aumentos reais de salário, acima de ganhos de produtividade, podem apimentar a inflação, especialmente com demanda doméstica aquecida. A decisão sobre o salário mínimo no ano que vem merece atenção.

Em terceiro, expectativas de inflação. O BC reconhece que sua projeção de recuo da inflação em 2011 reflete, em parte, o fato de o consenso de mercado para a inflação de 2011 e 2012 estar abaixo de 2010. Se as expectativas piorarem, o quadro pode mudar.

Por fim, o cenário fiscal. O BC assume um ajuste fiscal significativo em 2011. Mas a hipótese parece questionável à luz do uso de mecanismos contábeis para atingir a meta fiscal. A criatividade contábil pode melhorar a aparência dos números, mas não muda a realidade econômica. A expansão contínua dos gastos públicos estimula a demanda doméstica.

Em resumo, se a demanda doméstica se mostrar suficientemente aquecida, a ponto de comprometer a inflação, espera-se do Banco Central nada menos que pronta resposta para assegurar o cumprimento das metas de inflação.

É ECONOMISTA-CHEFE PARA AMÉRICA LATINA DO BANCO BNP-PARIBAS