Título: FMI defende solução global para o câmbio
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2010, Economia, p. B9

Diretor-gerente do Fundo diz que o espírito de cooperação que marcou o início do combate à crise está desaparecendo

Só pode haver solução global para o problema do câmbio, mas o impulso de cooperação exibido no começo da crise está diminuindo e isso é uma ameaça real, disse ontem o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn.

"A coordenação, o consenso, o desejo de trabalhar juntos foi um sucesso no clímax da crise", mas tudo isso é agora "um tanto abstrato", comentou. "Não há solução interna ou nacional para problemas globais", insistiu.

Strauss-Kahn evitou a expressão "guerra cambial", embora ele mesmo, como admitiu, já possa tê-la usado. Mas muitos países, acrescentou, consideram a moeda uma arma. A reação dos governos à instabilidade do câmbio "é compreensível", mas a oscilação das moedas, argumentou, é consequência dos desequilíbrios internacionais.

A questão do câmbio, segundo Strauss-Kahn, será um dos temas centrais da assembleia do Fundo, nos próximos dias, "mas a solução do problema consumirá algum tempo". A mesma avaliação havia sido feita um dia antes pelo secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, em discurso na Brookings Institution, em Washington. "Não é algo para ser resolvido nos próximos três meses", disse o secretário. Nem, portanto, na próxima reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), programada para novembro, em Seul.

Também o presidente do Banco Mundial (Bird), Robert Zoellick, apelou aos governos para uma solução coordenada. Segundo a história, acrescentou, "não há futuro nas políticas de arruinar o vizinho". A expressão "jogo de arruinar o vizinho", lembrada por Zoellick, foi muito usada na década de 1930, quando as potências principais se envolveram numa corrida para desvalorizar as moedas e ganhar poder de competição. Não se trata de uma questão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, disse o presidente do Bird, porque alguns países desenvolvidos e superavitários têm adotado intervenções no câmbio. Foi uma referência evidente ao Japão, embora o nome não tenha sido citado.

A correção dos desequilíbrios, segundo Strauss-Kahn, acabará levando, inevitavelmente, a um realinhamento das moedas. Ele não entrou em detalhes, mas Estados Unidos e China têm sido os polos principais do desajuste global. O secretário Geithner voltou esta semana a cobrar a revalorização do yuan. No mesmo dia, quarta-feira, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, havia repelido mais uma vez as pressões de outros governos pela reforma do câmbio chinês.

Nos últimos dois anos, o quadro cambial se complicou porque o dólar perdeu valor e o governo chinês fez o yuan seguir o movimento da moeda americana. Depois, grandes volumes de capital foram desviados para as economias menos afetadas pela crise, sem problemas bancários e sem as enormes dívidas públicas do mundo rico.

O Brasil foi um dos alvos preferenciais e isso resultou numa ampla valorização do real. Também o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem feito apelos por uma solução conjunta. As medidas tomadas pelo governo brasileiro para conter a valorização do real foram recebidas com naturalidade pelos funcionários do Fundo. Hoje, o controle de capitais é aceito como instrumento de política, em certas ocasiões, mas sua eficácia é considerada passageira.

Brasil. No caso do Brasil, uma recomendação especial foi feita: é preciso reduzir a expansão do gasto público e dar espaço a uma política mais branda de juros. Essa recomendação foi ontem reiterada pelo diretor-gerente adjunto, John Lipsky. Segundo ele, o Brasil vai bem e as autoridades deveriam aproveitar a oportunidade para ajustes e reformas.

O retorno ao forte espírito de cooperação do início da crise foi uma das quatro condições apontadas por Strauss-Kahn, na entrevista de ontem, como essenciais à retomada do crescimento global. 1) os governos do mundo rico terão de cuidar da dívida pública, muito alta, e de ajustar suas contas. Mas cada um deverá seguir o próprio ritmo, de acordo com suas condições. Não há uma recomendação geral para cortar gastos e retirar estímulos imediatamente, mas uma orientação para o médio prazo.

2) não basta retomar o crescimento, é preciso criar empregos. A crise não estará superada enquanto o desemprego não diminuir, disse Strauss-Kahn; 3) é preciso implantar as novas normas de segurança bancária, mas isso será insuficiente, se não houver um forte esquema de supervisão. A supervisão é até mais importante que a regulação, segundo o diretor do FMI; 4) é essencial cooperar na busca de soluções globais.

A recuperação está sujeita a riscos, mas, de acordo com Strauss-Kahn, um segundo mergulho na recessão é improvável.