Título: CGU: punir corruptos depende de novas leis
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/09/2010, Nacional, p. A10

Ministro Jorge Hage propõe mobilização da sociedade contra a bandalha na política

SÃO PAULO - A sucessão de escândalos estaduais envolvendo políticos e autoridades com desvio de recursos públicos fez o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, cobrar fortemente mudanças na legislação do País. Responsável pelo comando do principal órgão de controle do governo federal, o ministro defende que a "sociedade pressione mais o Congresso" para modificar o Processo Penal brasileiro. Na prática, ele quer garantir que os tribunais ganhem agilidade para punir acusados da prática do chamado crime do colarinho branco.

"Muitos corruptos ainda insistem em praticar as mesmas condutas por acharem que o risco de serem presos ainda é baixo", diz Jorge Hage. "Talvez porque não acreditem na condenação definitiva, pois em nosso País, infelizmente, as leis e a jurisprudência dominante permitem a eternização dos processos, e o Supremo Tribunal Federal só admite a prisão após o trânsito em julgado. Vale dizer, nunca", lamenta o ministro.

Por conta do aumento de casos, a CGU vai assinar amanhã um protocolo de cooperação técnica com o Ministério Público Federal (MPF) para ampliar suas ações de combate a crimes de corrupção envolvendo recursos federais. Com isso, passará a haver cruzamentos entre todas as bases de dados que as duas instituições possuem.

Nas últimas semanas, denúncias de corrupção explodiram em vários Estados. No Amapá, durante a Operação Mãos Limpas da Polícia Federal, foram presos o governador Pedro Paulo Dias (PP) e o ex-governador Waldez Góes (PDT), além de outras 16 pessoas. No Tocantins, o Ministério Público investiga a suposta participação do governador Carlos Gaguim (PMDB) num esquema de fraudes em licitações.

Outros escândalos desse tipo também estão sendo investigados no Mato Grosso do Sul e Alagoas. Em Roraima, a compra de votos de eleitores se tornou tão comum que a Justiça Eleitoral local proibiu saques acima de R$ 10 mil para evitar a prática. Além disso, em março, o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, renunciou ao cargo depois de ser preso por conta do envolvimento no chamado mensalão do DEM, com pagamento de propinas para deputados distritais e desvio de verbas públicas.

Protelação. O problema é que mesmo nas vezes em que há prisões, elas são apenas temporárias. Quando os processos são abertos, os acusados respondem em liberdade e jogam com a protelação de seus casos na Justiça. Essa é exatamente a maior queixa do ministro Jorge Hage.

O ministro lembra que várias das ações que levaram a prisão de políticos, como ocorreu há duas semanas no Amapá, foram feitas pela Polícia Federal, com participação da CGU e do Ministério Público nas investigações. Mas, realista, Hage acredita que dificilmente terão consequências quando forem repassadas para o Poder Judiciário.

"É verdade que as consequências dessa atuação nos tribunais têm sido bem mais tímidas. E, por isso, a sensação de impunidade ainda persiste no Brasil", explica o ministro.

"Quantos réus conhecidos da vida pública brasileira e com algum dinheiro já foram para a cadeia no Brasil por crimes de colarinho branco?", indaga, citando o juiz Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, e o ex-banqueiro Salvatore Cacciola. "Lembro do Nicolau e do Cacciola, sendo que este último ainda teve a chance de evadir-se por um bom tempo, pois obteve um habeas corpus. Será que há muitos outros? Certamente não."

Hage contou que o Conselho Nacional de Justiça, em recente levantamento, encontrou "apenas 17 condenações transitadas por lavagem de dinheiro" no País inteiro. "A maioria por tráfico de drogas e não por corrupção. Os réus de corrupção continuam mesmo impunes. A termos que esperar pelo trânsito em julgado, acabará sempre ocorrendo a prescrição e o processo vai para o arquivo", critica.

O ministro também defende claramente a adoção do sistema de financiamento público de campanha para evitar desvios de recursos para o pagamento de candidaturas durante as eleições. "Se todo mundo sabe que, sem alguns milhões nas mãos, ninguém se elege coisa nenhuma, o dinheiro há de vir de algum lugar. Se não é financiamento público, há de ser privado. E aí..."