Título: Poupança baixa no País desafia candidatos
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2010, Nacional, p. A14
Nenhum dos dois tem colocado claramente se haverá mudanças no atual modelo
Garantir que o investimento cresça, para sustentar o crescimento, e que inevitáveis déficits externos tenham um tamanho e um padrão de financiamento que não desequilibrem o País - assim pode ser resumido um dos maiores desafios econômicos do próximo governo, supondo que nenhuma aventura radical será tentada para mudar o atual modelo.
Como o Brasil tem baixa poupança nacional, sempre que o consumo e o investimento crescem com força, como agora, o País tem de recorrer à poupança externa, o que se traduz em déficits crescentes ria conta corrente.
Numa campanha eleitoral pobre no debate econômico, nenhum dos dois candidatos tem colocado com toda a clareza como vai agir frente a esse desafio. Do tucano José Serra, o mercado acostumou-se a esperar austeridade fiscal, o que ajudaria bastante, aumentando a poupança do governo. Mas as caras promessas eleitorais de Serra em termos de salário mínimo, aposentadoria e Bolsa-Família colocaram um ponto de interrogação naquela crença.
No caso de Dilma Rousseff (PT), supondo-se uma continuidade do que vem sendo feito no governo Lula, a aposta parece ser numa combinação de alguma moderação nos gastos, fé na queda da taxa de juro real e política industrial para ajudar setores estratégicos prejudicados pelo câmbio valorizado.
Samuel Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), convicto de que o Brasil terá de conviver por muitos anos com a dependência de poupança externa, considera vital que o novo governo desestimule o endividamento externo do setor privado sem proteção contra perdas cambiais (hedge).
¿Isso significa dizer que tem de ficar muito claro para o setor privado que não é função da política econômica e do governo oferecer hedge cambial¿, diz. O governo fornece hedge cambial quando, por exemplo, vende títulos atrelados ao dólar para o setor privado. O endividamento sem proteção cambial é uma das principais causas de crises econômicas, quando os fluxos de capital para um país cessam repentinamente, e o dólar dispara, quebrando bancos, empresas e o próprio governo.
Outro caminho que o Brasil poderia trilhar, segundo Pessôa, para dar mais segurança à sua dependência estrutural de poupança externa é partir para uma integração financeira bem maior com o resto do mundo. A ideia é, seguindo os passos da Austrália, estimular a criação de um grande e líquido mercado internacional de reais, o que tornará mais abundante e baratas as opções de proteção cambial para as empresas brasileiras.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, estrela em ascensão nos quadros técnicos da gestão petista, confia na capacidade do País de ampliar o investimento dos atuais 19% do PIB para 22% ou mais, mantendo o equilíbrio macroeconômico.
Barbosa cita dois fatores que, para ele, vão expandir a poupança doméstica, hoje de 17% do PIB: a poupança das empresas, que deve crescer junto com a lucratividade; e a queda da taxa de juros real. ¿É perfeitamente possível que, nos próximos quatro anos, a taxa de juros real caia para próximo de 2%¿, aposta. Isso, por sua vez, deve aumentar a poupança do governo.
O economista está seguro quanto à viabilidade de uma sólida política fiscal no próximo governo, que ajude a pavimentar o caminho da queda d juro real. Barbosa observa que é possível manter a rede de proteção social criada e estabiliza-la como fatia do Orçamento. ¿Qualquer programa cresce mais rápido na fase de implantação, mas depois tende a se estabilizar.¿ Em relação ao funcionalismo, ele diz que, concluída a etapa de recomposição, a folha já está caindo como proporção do PIB este ano. Ele nota que a formalização crescente tende a aumentar a arrecadação, sem alta nas alíquotas.
Ainda no front do juro real, Barbosa acha que o aumento de produtividade, associado ao forte ritmo de.crescimento, pode permitir uma demanda maior sem pressionar a taxa de juros. Em relação ao câmbio valorizado, ele diz que ¿temos que atenuar com políticas de desenvolvimento produtivo e estímulo a alguns setores que o governo julgue mais estratégicos¿. Outro ponto da agenda econômica, para o secretário, é estimular o financiamento privado do investimento, com aperfeiçoamentos institucionais e de regulação.
Quanto à poupança externa que o Brasil terá de absorver, ele diz que o importante é que tenha como contrapartida o aumento de investimento direto estrangeiro, que tem o que se chama de ¿estabilizador automático¿ - em tempos difíceis, os lucros caem, e as remessas diminuem, aliviando o balanço de pagamentos.
No campo tucano, o candidato José Serra reiterou inúmeras vezes, ao longo da campanha, que vê distorções no chamado `tripé¿ macroeconômico. O câmbio é excessivamente valorizado, os juros são os mais altos do mundo, a carga tributária é enorme e o investimento público reduzido. Para Serra, é possível.fazer com que os gastos públicos cresçam menos do que o PIB, e aumentar a base de tributação, combatendo a sonegação, para reduzir o ônus tributário individual sem perda de arrecadação.
Serra, porém, fez promessas como o salário mínimo de R$ 600, o aumento de 10% para os aposentados e a duplicação do Bolsa-Família (com décimo-terceiro). Segundo estimativa preliminar de um especialista, .essas medidas, se implantadas em 2011, significariam fazer, em um ano, um aumento de gastos de três anos, considerando o ritmo de expansão atual. Na questão previdenciária, Serra admitiu mexer na idade de aposentadoria, mantendo a remuneração.
Mesmo com todas as promessas de gastos, economistas simpáticos a Serra creem que um eventual governo tucano acabaria sendo mais rigoroso na parte fiscal, abrindo espaço para a queda dos juros e para um câmbio mais competitivo