Título: Guerra cambial sem sinal de trégua
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2010, Economia, p. B8

Apesar de todas as discussões, assembleia do FMI termina sem nenhum resultado prático em relação à questão do câmbio

O o ministro da Fazenda, Guido Mantega, poderá reclamar da guerra cambial por longo tempo. Não há sinal de trégua, depois de muito falatório na assembleia do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O governo chinês continua rejeitando as pressões para deixar o yuan valorizar-se. O Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, continuará emitindo dinheiro. Mais dólares vão fluir para o Brasil e outros mercados emergentes, forçando a valorização de suas moedas.

Esses países poderão adotar controles unilaterais, como impostos sobre o capital estrangeiro; mas nenhuma barreira será eficiente por muito tempo. A experiência é clara quanto a isso.

O tema será discutido mais uma vez na reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), em novembro, e dificilmente haverá resultado prático. Nenhum país pode resolver sozinho o problema do câmbio. Só pode haver solução global, repetiram durante uma semana o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, e uma porção de técnicos e ministros, incluído Mantega. Mas isso foi tudo. Não houve acordo sobre como agir ou dividir o peso do ajuste.

O Comitê Monetário e Financeiro, principal órgão político do Fundo, limitou-se a dividir a responsabilidade entre países deficitários e superavitários. Os dois grupos têm de agir. Poderia ter mencionado, como exemplos principais, Estados Unidos e China, mas isso não seria diplomático. Além do mais, as duas potências têm voz no Comitê.

Enquanto o impasse permanece, a recuperação continua lenta no mundo rico. As economias desenvolvidas devem crescer 2,7% neste ano e 2,2% no próximo. Mas crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não é tudo. A crise só estará vencida quando o desemprego diminuir de forma significativa, disse Strauss-Kahn. A desocupação, no entanto, continuará elevada no próximo ano - acima de 9,5% nos Estados Unidos e em tomo de 10% na área do euro, segundo as projeções do FMI. Em todo o mundo, mais de 30 milhões de pessoas perderam o emprego a partir de 2007 e 76 milhões voltaram a viver com menos de US$ 2 por dia, retomando ao estado de miséria, como lembrou o diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho, Juan Somavia.

Ação coordenada é fundamental, mas os governos se mostram muito menos dispostos a cooperar do que na pior fase da crise. Todos lançaram programas para deter a quebradeira dos bancos e atenuar a recessão, naquele momento. O impulso de cooperação não desapareceu, mas está diminuindo, "e isso é uma ameaça real", advertiu Strauss-Kahn numa entrevista na quarta-feira. Durante a semana ele insistiu nesse ponto várias vezes.

Reforma

A insistência na ação coordenada é muito mais que retórica politicamente correta. Os países não podem todos ao mesmo tempo aumentar suas exportações e diminuir suas importações. É uma impossibilidade física. Também não podem todos ao mesmo tempo depreciar suas moedas. Da mesma forma, não poderão realizara reforma financeira com regras unilaterais, porque os bancos e outras instituições do sistema operam acima das fronteiras. Se forem pressionados mais em um país do que em outro, poderão transferir parte de suas operações para o ambiente mais confortável. Todos os grandes desafios, neste momento, envolvem algum grau de cooperação e de coordenação.

Os governos se mostram receptivos à coordenação pelo menos em algumas áreas. Isso explica a nova relevância atribuída a instituições como o FMI, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), de Basileia, e o Fórum de Estabilidade Financeira. A crise iniciada em 2007, com o estouro da bolha imobiliária, evidenciou a importância de uma regulação muito mais ampla e de uma supervisão mais eficaz dos bancos e de outras instituições do sistema. Grande parte da tarefa caberá ao FMI. Sua agenda incluirá, a partir de 2011, a supervisão financeira dos países com instituições de grande importância sistêmica. Além disso, os técnicos do Fundo têm trabalhado na montagem de um sistema de análise de riscos e de alerta.

Mas não há regras para o sistema cambial. A pouca regulação existente foi extinta no começo dos anos 70, quando o governo americano abandonou o vínculo entre o dólar e o ouro. A Organização Mundial do Comércio (OMC) reprime outras formas de protecionismo, mas não a manipulação do câmbio. Nessa área, não há barreira legal para o jogo de arruinar o próximo.