Título: Consumidor vai além do arroz e feijão
Autor: Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/10/2010, Economia, p. B12

Com o reforço de produtos mais sofisticados, desembolso médio nos supermercados cresceu 19% no primeiro semestre

O brasileiro está consumindo mais alimentos e itens de higiene e limpeza sofisticados. O gasto com produtos tidos como supérfluos cresce a um ritmo que chega a ser quase o dobro do registrado com itens básicos. Ganho de renda, emprego formal crescente, crédito farto e preços estáveis explicam o aumento de produtos no carrinho de compras. Os supermercados comemoram a tendência, pois obtêm maior lucro com esses itens.

Entre alimentos e artigos de higiene e limpeza considerados "não básicos", como sorvete, fralda descartável e detergente líquido para roupas, por exemplo, o desembolso médio aumentou 19% no primeiro semestre em relação a igual período de 2009, aponta pesquisa da Kantar Worldpanel. Enquanto isso, o gasto médio com produtos básicos, como óleo, açúcar e sabão em pó, cresceu 10%.

Segundo a pesquisa, que visita semanalmente 8,2 mil domicílios em todo o País para avaliar o comportamento de compras de 65 produtos, dos quais 23 básicos e 42 não básicos, o movimento de sofisticação do consumo é generalizado. "Todo mundo está sofisticando o consumo, especialmente as camadas de menor renda", afirma a diretora comercial da Kantar Worldpanel, Christine Pereira.

As classes D e E ampliaram em 23% as compras de itens supérfluos em valor no primeiro semestre na comparação com 2009, diz ela, enquanto os estratos A/B aumentaram a compra desses produtos em 17%. Na classe C, a alta foi de 19%.

Já a expansão do gasto com produtos básicos foi de 10% para todas as classes no mesmo período. A pesquisa considera como classes A/B as famílias com renda média mensal entre R$ 2.012 e R$ 9.733, a classe C com rendimento médio de R$ 1.587 e as classes D/E com renda média mensal familiar de R$ 950.

"Não há mais grandes paredões de sacos de arroz nos supermercados como no passado", diz o vice-presidente de Relações Corporativas do Grupo Pão de Açúcar, Hugo Bethlem. Ele confirma que, com o ingresso de cerca de 25 milhões de brasileiros na classe C, os consumidores passaram a buscar um cardápio mais diferenciado. Bethlem conta que a venda média na sua empresa cresceu nos últimos tempos tanto em número de itens quanto em valores absolutos.

Feijão e arroz. O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda, ressalta que o consumo de arroz e feijão não tem crescido no mesmo ritmo de outros alimentos industrializados. A economista do Santander Luiza Rodrigues explica que é normal que os produtos básicos não aumentem de forma acelerada quando há ganhos de rendimento. "A renda excedente tende a ser direcionada para outros setores do comércio", diz ela.

Para a economista, o que sustenta essa mudança é o emprego e a renda. Em agosto, último dado disponível, a taxa de desemprego medida pelo IBGE foi a menor em 15 anos, descontadas as influências sazonais. O indicador ficou em 6,7%. "Para setembro, esperamos um resultado ainda menor, de 6,5%", diz Luiza.

Outro pilar desse movimento, aponta, é o crescimento da massa de renda, que foi 8,8% maior em agosto deste ano na comparação com o mesmo mês de 2009, descontada a inflação do período. "É um ritmo incrível que não se via há muito tempo."

Fabio Romão, economista da LCA Consultores, pondera que essa mudança é resultado de combinação favorável de fatores que ocorrem há algum tempo. De 2004 a 2008, o PIB cresceu de forma sustentada. Além disso, desde 2004, o rendimento médio real dos trabalhadores das classes D e E aumentou acima da média da população.

Honda, da Abras, confirma o aumento da procura por produtos mais sofisticados, principalmente pelas camadas de menor renda. Mas observa que há diferenças em relação a outras épocas. No passado, diz, a economia crescia por um curto período e depois recuava. Por isso, o consumidor apenas experimentava esses itens. Agora, os produtos sofisticados foram incorporados à cesta de compras porque o ritmo de atividade tem se mantido.