Título: Mãe privou pai de convívio com a filha por 17 anos
Autor: Toledo, Karina
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/10/2010, Vida, p. A27/28
'Foi como se um buraco tivesse sugado parte da minha vida', conta Karla Mendes, que descobriu aos 19 que não havia sido abandonada
Para a jornalista maranhense Karla Mendes, de 40 anos, a descoberta da alienação parental nasceu de um conflito. Aos 19, ela brigou com a mãe, saiu de casa e reencontrou o pai, de quem fora afastada 17 anos antes. Karla descobriu que ele não havia abandonado as filhas. Pelo contrário, tinha tentado vê-las, mas as tentativas foram frustradas pela ex-mulher. Em uma viagem para os Estados Unidos, onde o pai morava, ela conheceu a madrasta e os irmãos mais novos, dos quais nunca ouvira falar. "Foi como se um buraco negro tivesse sugado parte da minha vida", conta.
Quando percebeu que muitas das histórias contadas pela mãe foram criadas para privá-la do contato paterno, o sentimento de rejeição que a acompanhou na infância somou-se à decepção. "A gente cresce pensando que pelo menos nossa mãe não vai nos contar mentiras. Demorei para conseguir acreditar em alguém", relata.
Hoje a jornalista mora no Rio e não tem contato com a mãe há sete anos. Ela conta que tentou perdoar, mas decidiu romper as relações quando viu que tudo estava se repetindo com seus dois irmãos mais novos. "Ela havia se separado do meu padrasto e disse que, se havia feito aquilo comigo, faria também com eles. Não consegui mais conviver."
Outro lado. No Brasil, a guarda fica com a mãe em cerca de 90% dos divórcios de casais com filhos. Mas nem sempre é ela a alienadora. A empresária mineira Andréia (nome fictício), de 39 anos, está afastada do filho de 13 anos desde agosto de 2009.
O problema começou quando o marido descobriu que ela o traía e decidiu se separar. Ela conta que abriu mão de todos os direitos no divórcio em troca de sossego, mas não foi isso que aconteceu. "Ele ligava para me ameaçar de morte. Inventava mentiras para meu filho, dizia que me via com vários homens, que eu era uma vagabunda. Até que um dia o menino foi para a casa do pai e não quis mais voltar."
Andreia ainda é a guardiã legal do garoto, mas evitou levá-lo embora à força para não causar trauma ainda maior. Agora ela luta na Justiça para garantir ao menos seu direito de visitação. "Quando ele está com o pai é outra pessoa. Mas quando ficamos sozinhos, percebo que ainda é o mesmo."
No caso da costureira Elci Beccari, de 42 anos, impedida pela família paterna de ter contato com a mãe, o afastamento culminou com uma tentativa de suicídio. Aos 13 anos, ela escapou da morte por dois centímetros - a distância que separou a bala do revólver do pai de seu coração. "Ouvi muitas coisas ruins, diziam que ela não me amava. Até hoje duvido dos sentimentos dos outros, penso que não gostam de mim." O pai permitiu que ela reatasse os laços depois do episódio, mas Elci não conseguiu desenvolver intimidade: "Minha mãe era uma estranha."
Elci diz que lembra de tudo que passou cada vez que olha para a cicatriz no peito, mas o que a incomoda mais não é a sequela física e sim a psicológica. Mãe de três filhos e separada do pai do primogênito, ela busca fazer diferente. "Mantive a amizade com meu ex-marido em consideração a ele. Não queria ver aquilo acontecer de novo."
A desconfiança vira um fantasma na vida das vítimas e torna a tarefa de criar vínculos com os outros um obstáculo. Amizades, relacionamentos amorosos e até a vida sexual são prejudicados. "Ao perceber que a infância foi baseada em mentiras, perdemos a referência e é difícil confiar nas pessoas", explica a psicoterapeuta Desirée Cordeiro.
Quando a farsa é descoberta, diz ela, é comum que o filho se afaste do alienador e tente se aproximar do alienado. Apesar da vontade de recuperar o tempo perdido, é difícil retomar a relação com o genitor afastado. "A pessoa precisa dessa ruptura para se estruturar. Mas, na maioria das vezes, é impossível retomar os laços. Eles têm de ser refeitos, construídos sobre uma nova base."