Título: América Latina, sua hora e sua vez
Autor: Paiva, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2010, Economia, p. B2

A América Latina sai da crise melhor do que entrou. As taxas de crescimento médias de suas economias eram mais modestas do que a média mundial e inferiores às taxas das economias asiáticas. No pós-crise o conjunto das economias latino-americanas cresce mais acentuadamente do que a média mundial. Espera-se em 2010 um crescimento para a região de 5,7%, ante 4,8% para a economia mundial. Brasil, Chile, Colômbia e Peru, que dependem muito do mercado de commodities, se saem melhor. México tem o seu destino preso ao desempenho da economia americana e Venezuela - a exceção - se mantém em recessão.

A forte resistência das economias da região à crise financeira decorreu de três fatores.

Primeiro, as reformas econômicas realizadas no passado recente e a consistência das políticas macroeconômicas tornaram essas economias mais sólidas e menos vulneráveis a choques externos. Em quase todos esses países foram realizadas reformas que consolidaram o sistema financeiro, fortaleceram os mercados de capitais e estimularam o livre comércio. Ademais, foi dada mais transparência à execução orçamentária, com maior rigor fiscal. Os fundamentos das políticas macroeconômicas foram consagrados, com controle eficaz da inflação, recuperação do papel da política monetária, maior equilíbrio fiscal, redução da dívida pública em proporção ao PIB e flexibilidade na política cambial com predominância de flutuação nas taxas de câmbio.

Exceto pela política cambial, todas as reformas e medidas estavam consolidadas na agenda chamada Consenso de Washington, que foi tão severamente criticada. A adoção dessa agenda foi crucial para proteger as economias contra crises financeiras.

Segundo, a expansão do mercado e o aumento dos preços de commodities, favorecendo os termos de trocas, estimularam o rápido crescimento econômico. Uma experiência que Prebisch possivelmente não imaginaria pudesse vir a acontecer. As condições favoráveis do mercado internacional impulsionaram o crescimento da renda e do consumo. Crescimento do PIB, com baixa inflação, resultou em aumento do poder aquisitivo de parcela maior da população. Em alguns países, como no caso do México e do Brasil, políticas de transferência de renda contribuíram também para a expansão do consumo doméstico.

Terceiro, as medidas anticíclicas tomadas imediatamente após o início da crise, visando a restabelecer o crédito e a estimular o consumo, tanto no âmbito monetário quanto fiscal, foram bastante eficazes. O resultado de tudo isso foi um impacto negativo de curta extensão temporal. Taxas negativas de variação do PIB duraram aproximadamente três trimestres. A atividade econômica e o emprego retomaram rapidamente seus níveis pré-crise.

As perspectivas pós-crise são muito promissoras, quer seja pelas oportunidades no mercado de commodities, que indicam certa estabilidade nos preços relevantes para as exportações da região, quer seja pelo desempenho do mercado doméstico de consumo. Neste contexto a região tem recebido um fluxo crescente de capitais. De fato, a oferta de capitais para os países latino-americanos tem crescido muito rapidamente, a custos relativamente mais baixos. De um lado, em razão da abundante oferta de crédito disponível para as economias emergentes; de outro lado, atraídos pelas taxas de juros mais altas na região, se comparadas às das economias mais avançadas.

A disponibilidade de capitais a custos relativamente mais baixos resulta em oportunidade para o crescimento, mas também representa risco futuro de proporções acentuadas. Moeda doméstica apreciada e taxas de juros mais baixas são atrativos para a alavancagem do sistema bancário regional, principalmente para bancos médios. A entrada de capitais externos na América Latina como proporção do PIB este ano já ultrapassa 5%, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), dos quais investimentos diretos representam menos da metade.

Para mitigar os riscos da elevada entrada de capitais na América Latina, há necessidade urgente de revisão dos critérios de adequação de capital e de outras medidas complementares de supervisão financeira. Seria oportuno um esforço de coordenação entre os bancos centrais latino-americanos para adotarem critérios comuns, embora independentes, de supervisão sobre os fluxos de capital na região. Ademais, urge retomar e implementar agenda de reformas que contribua para ampliar a competitividade das economias, principalmente em áreas que tenham impacto na redução dos custos e da ineficiência.

A gestão pública carece de um profundo choque de eficiência que, simultaneamente, contribua para um equilíbrio fiscal duradouro e estimule investimentos em infraestrutura. Finalmente, as medidas anticíclicas devem ser eliminadas rapidamente. As oportunidades estão aí, basta cuidá-las com responsabilidade e prudência para evitar que uma crise financeira futura interrompa o sonho latino-americano.

PRESIDENTE DO BDMG, FOI VICE-PRESIDENTE DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO DO BID (1999-2004) E MINISTRO DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (1998-1999) E DO TRABALHO (1995-1998)