Título: A reforma da previdência proposta por Sarkozy é ruim
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2010, Economia, p. B7

Jean-Claude Barbier, sociólogo e professor da Sorbonne

Não são só trabalhadores e estudantes os críticos da reforma da previdência proposta pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. Especialistas em previdência e proteção social também veem lacunas e desequilíbrios n o texto do projeto, que deve ir à votação entre hoje e amanhã no Senado.

Um dos críticos do texto é Jean-Claude Barbier, sociólogo especializado no tema, professor da Sorbonne e diretor de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). Co-autor de Le Système Français de Protection Sociale (O Sistema Francês de Proteção Social), Barbier, assim como a maioria dos franceses, é a favor de uma reforma da previdência, mas julga a proposta de Sarkozy com severidade: o texto, diz ele, é ruim e incapaz de garantir o sistema de previdência a longo prazo, como promete o governo.

A seguir, os principais pontos da entrevista concedida ao Estado ontem, em Paris.

Qual a sua opinião sobre a reforma da previdência proposta por Nicolas Sarkozy?

A proposta é ruim, porque não faz o que promete, agrava as desigualdades, não prepara o país para o futuro. E ainda obrigará o país a retornar ao tema em uns cinco anos, porque a necessidade de reformas na previdência não vai parar aqui, mesmo com a aprovação do atual texto.

Parece haver uma contradição na onda de protestos: pesquisas indicam que os franceses são ao mesmo tempo contra a reforma de Sarkozy, mas a favor de reformas na previdência. Por quê?

Há várias razões. A primeira é que a população em geral considera que a aposentadoria proposta agrava as desigualdades. Por exemplo, a situação dos jovens não é suficientemente considerada e as consequências da segregação de gêneros farão com que as mulheres sejam mais atingidas. Outro ponto de conflito é que os franceses são muito sensíveis ao fato de que os que começaram a trabalhar mais cedo serão mais "prejudicados". Mas, independentemente das críticas, é preciso lembrar que a população não é unânime e há pessoas que são contra a reforma porque têm interesses pessoais e se sentem particularmente "prejudicadas".

Por que a reforma está tramitando com tantos problemas?

A reforma foi proposta sem nenhuma negociação. O governo quer ser visto como ortodoxo pelo mercado. A reforma da previdência nem mesmo era prevista pelo programa eleitoral de Sarkozy, em 2007. A reforma muito mais profunda, mais sustentável para o futuro, não foi proposta. Havia outros projetos na mesa que não foram considerados. Não há dúvida de que a situação da França exige que o trabalho seja estendido até uma faixa etária mais alta, mesmo que a demografia do país, pela taxa de fecundidade, seja relativamente favorável e bem mais dinâmica que outros países da Europa, como Alemanha e Itália. Mas a questão é: como fazer com que as pessoas trabalhem mais de forma ajustada para impedir os desequilíbrios?

E quais são as soluções? Avançar a idade de aposentadoria não é uma delas?

Há algumas soluções. Avançar a idade de 60 a 62 anos é uma delas, assim como avançar de 65 a 67 anos a idade para pensão completa. Essas são reformas paramétricas, que são o caminho mais fácil para o controle das despesas públicas. O mais difícil é fazer uma reforma à la carte, como fez a Suécia. Lá o sistema foi longamente estudado. Muitos acreditam que devemos nos inspirar nesse exemplo: um sistema misto, com a participação dos fundos de pensão e prevendo decisões pessoais do segurado ao fim de cada ano de trabalho. É o que defende a petição da CFDT (maior central sindical da França). Estamos longe da unanimidade nesse ponto também, mas essa é uma solução mais justa. É a que eu defendo, por ser a solução menos má.