Título: Tem de tirar o pé do acelerador
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2010, Economia, p. B4

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso, acha que chegou a hora de o governo tirar o pé do acelerador nos gastos e no crédito público. Para Armínio, sócio-fundador da gestora Gávea, o grande desafio do próximo presidente é baixar o juro real para 3%. A seguir, a entrevista:

Quais deveriam ser, para o sr., as prioridades econômicas do novo governo?

No topo da minha lista, está a contenção da trajetória de crescimento dos gastos públicos permanentes, o que é urgente. É preciso calibrar melhor o tripé macroeconômico, de superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante, criando mais espaço para se reduzir os juros. Se o governo criar condição para o juro real cair para 3% ou menos, que é onde ele se encontra na esmagadora maioria dos países do mundo, o efeito sobre o crescimento e o desenvolvimento do País vai ser enorme. E, inclusive, criaria mais espaço para o governo investir onde tem de investir, saúde, educação, saneamento.

Como seria a calibragem?

Com o momento recessivo já superado, é preciso tirar o pé do acelerador no gasto público corrente e no crédito público, e lidar com as questões de longo prazo. No curto prazo é ruim, porque cortar gasto é sempre chato, alguém sempre sai perdendo. Mas, num prazo um pouquinho mais longo, os benefícios são enormes. É papel do Estado olhar um pouco além do nariz. No início do governo, é mais fácil. Os governos tendem a tomar essas decisões mais no início do que no fim, porque têm tempo de colher os frutos. Outro ponto importante é focar bastante na infraestrutura e no aumento da taxa de investimento, o que requer alavancar os recursos do setor privado.

Por que o setor privado é tão importante para o investimento?

Minha visão é prática, e é dominada pela necessidade urgente, premente, de o País investir muito, e pela realidade existente há muitos anos, e que vem se agravando, de que o governo não vai conseguir financiar tudo. Esse modelo de R$ 30 bilhões aqui para o BNDES, R$ 40 bilhões ali, mais R$ 100 bilhões tem limite. Ele começa a entrar em conflito com o espaço para a taxa de juros cair. O Estado não pode tudo.

Como vê o papel do BNDES no estímulo ao investimento?

Olhando apenas a capacidade de o BNDES agir na recessão, o que ele fez foi bom, ninguém nega isso. E é positivo o BNDES preencher lacunas do mercado. Mas há o outro lado dessa medalha. O BNDES tem de ir aos poucos engajando o setor financeiro privado, é uma questão um pouco do ovo e da galinha.

Como assim?

O BNDES ainda cumpre um papel na ausência de mecanismos de financiamento de longo prazo em moeda local. Mas, ao mesmo tempo, o BNDES precisa dar um certo espaço para que o mercado se desenvolva. E o próprio mercado também tem de trabalhar para se desenvolver e criar mecanismos, instrumentos e tudo o mais. Eu defendo que o BNDES exija cofinanciamento crescente do setor financeiro privado nos seus empréstimos. Acho que seria muito razoável também, ouvi isso do (economista) Pérsio Arida, não usar mais a TJLP. Porque se tem alguém que fornece um dinheiro mais barato, de prazo longo, essa vai ser a preferência de todos.

Como isso poderia ser feito?

Hoje existe um parâmetro, a taxa de longo prazo do Tesouro, a NTN-B, que está em IPCA mais 5,8%, 6%, que poderia ser usado para os financiamentos do BNDES. Eu combinaria isso e a ideia do cofinanciamento crescente. Não precisa fazer da noite para o dia, pode levar em conta o momento da economia, mas tem de começar a se trabalhar nisso, se não nunca vai acontecer. O trabalho de desenvolvimento de um mercado de financiamento privado, que vai ser necessário, tem de ser feito de maneira gradual, mas tem de ser feito.

Qual a sua visão sobre a valorização do câmbio?

O Brasil tem esse modelo que produz um juro muito alto, que cria uma pressão exagerada no câmbio. Impostos e controles podem ajudar um pouquinho no curto prazo, mas não se deve esperar grandes resultados a médio prazo. É fundamental que o déficit em conta corrente sirva para financiar investimento, e não consumo e gasto público, e que seja financiado com capital de prazo mais longo.