Título: Mantega alerta para déficit de emergentes
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2010, Economia, p. B9

Ministro diz que é preciso conter a expansão do buraco na conta corrente, que pode se tornar "uma fonte de preocupação"

-O ministro da Fazenda, Guido Mantega, alertou para o perigo do déficit externo dos países emergentes e em desenvolvimento. O aumento do déficit em conta corrente dessas economias "pode tornar-se uma fonte de preocupação e é irrealista esperar que essa tendência continue indefinidamente", acrescentou.

O alerta foi feito ontem na reunião do Comitê Monetário e Financeiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), o órgão político mais importante da instituição. Essas economias, disse o ministro, contribuem para o reequilíbrio global com suas importações e ainda são pressionadas para deixar suas moedas valorizar-se. Mantega lembrou de forma implícita um velho pesadelo: o Brasil e muitos outros países em desenvolvimento foram várias vezes forçados a recorrer ao Fundo por causa de grandes buracos nas contas externas.

Não há risco imediato de uma crise desse tipo, mas a maior parte dos latino-americanos passou do superávit ao déficit em transações correntes nos últimos dois ou três anos. No Brasil, o buraco é estimado em cerca de US$ 50 bilhões neste ano e US$ 60 bilhões no próximo. O FMI projeta crescimento desse déficit em 2010 e 2011 para Brasil, Colômbia, Peru, Chile, Equador, Paraguai e Uruguai. O FMI tem estimulado os governos dos emergente a aceitar a valorização, para facilitar o reequilíbrio global. Câmbio valorizado torna os produtos nacionais mais caros que os estrangeiros, dificulta exportações e estimula importações.

Mantega chamou a atenção não para o risco imediato, mas para o perigo de um déficit em rápido crescimento. O problema é acentuado, segundo ele, por uma guerra cambial.

Câmbio. Os países desenvolvidos, ainda sob os efeitos da crise, tentam animar suas economias emitindo grandes volumes de moeda. A emissão de dólares continuará crescendo, segundo indicou o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos. Essa liquidez acaba sendo desviada para as economias emergentes e em desenvolvimento, em busca de maior retorno, propiciado, em boa parte, por juros altos. O resultado é a valorização das moedas desses países.

A pressão pela mudança cambial foi concentrada durante anos na China. Mas o yuan continua subvalorizado e o superávit chinês em conta corrente, 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, ainda se mantém elevado. O FMI estima 4,7% para 2010 e 5,1% em 2011. O governo chinês prometeu várias vezes tornar o câmbio mais flexível, mas o resultado foi até agora irrelevante.

Na sexta-feira, o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, acusou governos como o da China - sem mencionar nenhum explicitamente - de pôr em risco a recuperação global. Retomou o assunto, ontem, com linguagem mais branda. O comissário europeu Olli Rehn deu nome às personagens, sugerindo ao governo chinês a rápida adoção de um regime flexível de câmbio. O presidente do banco central chinês, Zhou Xiaochuan, usou a mesma explicação de Mantega: o problema cambial é causado pela manutenção de juros muito baixos e grande expansão monetária no mundo rico.

Cotas. Olli Rehn lamentou o "lento progresso" na reforma de cotas e votos do FMI e apontou o risco de uma "crise institucional", se o assunto não for logo resolvido. De fato, ele reafirmou a posição europeia quanto à redistribuição do poder político na instituição: todos os países com excesso de representação, e não só os países desenvolvidos, devem ceder parte de suas cotas e de sua influência na diretoria executiva.

Segundo o ministro brasileiro, só os desenvolvidos devem transferir parte de seu poder, para ajustar a representação no Fundo à nova realidade global. Se a redistribuição seguir os critérios definidos em 2008, o Brasil ocupará a 14.ª posição no quadro de votos, embora sua economia, em 2009, fosse a 8.ª do mundo, com o PIB convertido pela taxa de câmbio de mercado, ou 9.ª, pelo critério da paridade de poder de compra. A distribuição de cotas e votos é baseada numa combinação de indicadores. Segundo Mantega, é preciso dar mais importância ao PIB na composição da fórmula.