Título: Derrota ameaça distanciar EUA do mundo
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2010, Internacional, p. A16
Da Rússia à Alemanha, Israel e Cisjordânia, políticos e analistas temem que a [br]guindada republicana no Congresso afaste Washington dos problemas globais Há anos, a eleição do presidente Barack Obama chegou muito além da costa dos EUA, causando - sobretudo entre os europeus - euforia. Acreditava-se que a política americana embarcara numa mudança nova e duradoura após os anos do governo George W. Bush. Foi necessária a eleição legislativa desta semana para finalmente convencer alguns do fã-clube internacional de Obama a pensar diferente. A derrota dos democratas, a perda de seu controle sobre a Câmara e a redução de sua maioria no Senado podem ter feito com que muitos estrangeiros ponderassem se a mão aberta do presidente recém-empossado - estendida ao Irã, à Rússia e ao Oriente Médio - se fechará, dando lugar a uma Casa Branca introspectiva e distraída, dada ao protecionismo em relação ao exterior, ao mesmo tempo em que manobra na frente doméstica os republicanos.
"Depois do Obama candidato e do Obama orador, agora é o Obama político que assumirá o palco", disse Pierre Rousselin, colunista do jornal Le Figaro.
Ou, nas palavras do especialista em assuntos exteriores George Friedman, "a mudança substancial no papel desempenhado pelos EUA no mundo que os europeus e os eleitores de Obama vislumbraram não se materializou. A distância entre o que Obama disse e o que realmente ocorreu é grande a ponto de moldar as percepções globais".
A mudança de atitude dos estrangeiros não é superficial. Dos assentamentos israelenses na Cisjordânia aos arsenais nucleares da Rússia, o rearranjo nas relações de poder em Washington deixou muitos se perguntando se elementos centrais da política externa americana teriam agora fugido do alcance de Obama. Por mais que líderes americanos enfraquecidos em casa tradicionalmente busquem triunfos no exterior, analistas de muitos países parecem duvidar das promessas redentoras de Obama para o Iraque e o Afeganistão - que representam questões de importância central para os aliados dos EUA.
"As eleições americanas são impulsionadas principalmente pelas preocupações domésticas, mas seu resultado tem ramificações em todo o mundo", escreveu Bruce Stokes, do German Marshall Fund, em Washington. "Isso nunca ficou mais evidente do que na sequência" das eleições legislativas realizadas nesta semana.
Alguns temem o pior, enxergando uma ameaça a dois temas em especial - o controle de armamento em parceria com a Rússia e o sempre difícil processo de paz entre israelenses e palestinos.
Um primeiro sinal de alarme soou quando, pouco depois de serem conhecidos os resultados das eleições nos EUA, a comissão internacional da Duma (Parlamento russo) recuou na sua recomendação de ratificação do novo Tratado para a Redução do Armamento Estratégico (Start, em inglês) com Washington. Isso porque muitos russos temem que os republicanos - que se opuseram ao tratado - dispõem agora de maior influência.
Apesar de a recomendação da comissão ser principalmente simbólico, foi uma indicação importante das preocupações do Kremlin. Konstantin Kosachyov, presidente da comissão da Duma, disse que se o Senado não for capaz de ratificar o tratado antes que o Congresso volte do recesso com seus novos membros em janeiro, "será muito mais difícil para o presidente Obama conduzir sua política externa, classificada como "reinício" em relação à Rússia".
Ecos de Bush. As preocupações vão além da Rússia. Enquanto expressava sua fé na continuidade do rumo atual da política externa americana, o ministro alemão das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, insistiu para que legisladores americanos recém-eleitos apoiem a não proliferação e se oponham ao que ele chamou de "unilateralismo americano nos moldes do que vimos no governo anterior, do presidente Bush".
Muitos preveem uma virada igualmente profunda com relação ao Oriente Médio, permitindo que o governo direitista de Israel siga resistindo à pressão pelo congelamento da expansão dos assentamentos na Cisjordânia. "A expressiva chegada de tantos deputados e senadores inclui dezenas de amigos fiéis a Israel, que tentarão frear as políticas consistentemente dúbias e ocasionalmente perigosas do presidente Obama vistas nos últimos dois anos", disse Danny Danon, legislador vinculado à ala da direita do Partido Likud, do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu.
Como a maioria das previsões de mudança radical em Washington, tal argumento teve seus opositores. "Qualquer expectativa de que Obama se mostrará fraco demais ou marcado demais para dar continuidade a uma política progressista em relação ao conflito palestino-israelense será provavelmente frustrada", disse Mark Heller, do Instituto de Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel-Aviv. Com efeito, o político palestino Yasser Adeb Rabbo disse que os palestinos "não serão afetados pelo resultado dessas eleições".
Mas as provas disso serão vistas na prática. "O verdadeiro jogo começa agora, e o seu tabuleiro é a Palestina", disse Ari Shavit, colunista do jornal Haaretz. Somente a criação de um Estado palestino "viável" no prazo de um ano "pode elevar o moral dos autoproclamados liberais que apoiam Obama".
É claro que o relacionamento dos EUA com Israel tem repercussões regionais de alcance muito maior, particularmente em relação ao Irã, onde alguns comentaristas acreditam que o impacto de um Congresso mais aguerrido provocará a erosão do frágil consenso transatlântico nas questões de diplomacia e das sanções ao país. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL