Título: O Brasil vai ficar em situação pior
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2010, Economia, p. B1

Presidente da maior gestora de fundos do mundo diz que Lula deve falar com Obama sobre impacto do pacote do Fed

Mohamed El-Erian, presidente do Pimco

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria conversar com o líder americano Barack Obama para que os Estados Unidos reconheçam que seu pacote de estímulo monetário de US$ 600 bilhões, anunciado na terça-feira, trará sérios "efeitos colaterais" para outros países.

Essa é a opinião de Mohamed El-Erian, presidente do Pimco, administrador do maior fundo de investimentos do mundo, com US$ 255 bilhões em ativos. "Os benefícios dessa política vão para os EUA, enquanto os outros países ficam com todos os efeitos colaterais", diz El-Erian.

Para ele, Lula poderia usar o encontro do G-20 em Seul, na semana que vem, para discutir com o líder americano reformas estruturais para evitar essas tensões cambiais. Mas enquanto a solução multilateral não vem, o Brasil fica com três alternativas, "nenhuma delas ideal": deixar sua moeda continuar se valorizando, adotar mais controles de câmbio ou compensar com um aperto fiscal severo. "O mais provável é que haja uma combinação dos três, mas, seja como for, o Brasil vai sair em uma situação pior do que estava", diz.

Abaixo, trechos da entrevista que El-Erian concedeu pelo telefone.

O presidente Lula e a presidente eleita Dilma vêm criticando a política de liquidez dos EUA e o que chamam de "guerra cambial". Eles dizem que irão pressionar os EUA em Seul. Dá para chegar a uma solução multilateral?

O resto do mundo vê os EUA injetando um monte de liquidez que vaza para países que não precisam disso, como o Brasil e a China, que estão perto do superaquecimento. O Brasil fica com três alternativas, nenhuma delas ideal: deixar sua moeda continuar se valorizando, adotar mais controles de câmbio ou compensar com um aperto fiscal severo. O mais provável é que haja uma combinação dos três, mas, seja como for, o Brasil vai sair em uma situação pior do que estava. É preciso haver uma solução multilateral, mas, até agora, nem conseguimos chegar a um acordo sobre o diagnóstico do problema.

Qual é a probabilidade de chegarem a um rascunho de acordo em Seul?

A questão é se haverá algo substantivo, como reformas estruturais coordenadas no mundo, para que a China aumente sua demanda doméstica, os EUA adotem reformas estruturais. Ou pelo menos que as respostas de cada país sejam coordenadas, para evitar acirramento das tensões cambiais.

Neste momento, os EUA injetarem bilhões de dólares em sua economia atrapalha o equilíbrio econômico mundial?

Certamente. Os benefícios dessa política vão para os EUA, enquanto os outros países ficam com os efeitos colaterais.

O que o Brasil, uma das principais vítimas dessa política, deve fazer?

A primeira coisa é fazer com que os EUA reconheçam as repercussões internacionais de suas políticas. O presidente Lula deveria conversar com o presidente Obama. Os EUA ainda acham que são uma economia fechada, mas estão cada vez mais abertos, principalmente nos movimentos de capitais, com efeitos no mundo.

Existe mesmo uma guerra cambial no mundo hoje?

Eu não uso a expressão guerra cambial, eu falo em tensões ou atritos cambiais. Os EUA embarcaram em uma política de inundar seu mercado com liquidez, para estimular a economia. Mas nem toda essa liquidez é absorvida no mercado doméstico, ela flui para fora do país, valorizando outras moedas. No curto prazo, é conveniente para os EUA, porque o dinheiro absorvido no mercado doméstico acelera a atividade, e o que "vazar" para outros países causa desvalorização do dólar e estímulo às exportações. Só que, no longo prazo, enfraquece o papel do dólar como moeda de reserva e eleva os preços das commodities.

QUEM É

Presidente e chefe de investimentos do Pimco, maior administrador de fundos do mundo, com US$ 255 bilhões em ativos. O egípcio El-Erian foi vice-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e administrador dos investimentos da Universidade Harvard, Ele é autor do livro "Quando os mercados se chocam".