Título: Depois do pacote dos EUA, dólar cai e bolsas sobem em todo o mundo
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2010, Economia, p. B1

"Chuva" de dólares faz investidores globais correrem para ativos considerados de risco, como ações, commodities e moedas emergentes

No dia seguinte ao anúncio de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) vai usar mais US$ 600 bilhões para tentar reanimar a economia dos Estados Unidos, o mercado global viveu uma espécie de "flight to risk", ou seja, voo para o risco. É um movimento oposto ao conhecido "flight to quality", que ocorre quando os investidores, em meio à tensão, se refugiam em ativos considerados seguros.

Commodities, ações e moedas de países emergentes, entre outros ativos, valorizaram-se mundo afora. Aqui, o maior efeito foi sentido no câmbio, onde o dólar apurou a maior queda diária (1,35%) em cinco meses. A moeda americana fechou cotada por R$ 1,676.

O Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) avançou 1,52%, para 72.995 pontos. Para muitos analistas, o principal termômetro da bolsa brasileira tem tudo para superar, nos próximos dias, seu nível recorde de 73.516 pontos, registrado em 20 de maio de 2008.

No exterior, o índice MSCI global, que sintetiza uma série de indicadores de bolsa no mundo, atingiu a maior cotação em dois anos. O barril de petróleo para entrega em dezembro subiu 2,13%, para US$ 86,49. Durante a sessão, chegou a ser negociado no maior nível em seis meses.

Segundo analistas, o que explica todo esse movimento é a certeza de que a superoferta de dólares derrubará o valor da moeda e, no futuro, elevará a inflação mundo afora. Para se proteger do aumento dos preços, investidores buscam ativos como as commodities (como cobre, prata, ouro - que ontem fechou na máxima histórica - e petróleo).

Apesar do ceticismo de vários analistas quanto ao impacto da nova injeção de dinheiro na economia americana, há também apostas de que alguma recuperação ocorrerá - o que eleva o consumo e, por tabela, a demanda por vários produtos, como as commodities.

Mais entradas. O estrategista-chefe da Corretora SLW, Pedro Galdi, e o analista de renda variável da Infinity Asset George Sanders acreditam que o fluxo de capitais para o Brasil vai crescer ainda mais. Ambos observaram, por exemplo, que o volume negociado diariamente na Bovespa (ontem foram quase R$ 8 bilhões) vem aumentando.

Por isso, cresce no mercado o temor de que o governo volte a adotar medidas para conter a provável nova onda de valorização do real que se deve formar. "O problema é que o arsenal está acabando", ponderou Sanders. Segundo ele, uma das possibilidades comentadas nas mesas de operação é o aumento do IOF para a compra de ações - até agora, o governo manteve a taxa de 2% instituída em outubro de 2009.

Se no mercado financeiro a reação ao Fed beirou a euforia, no meio político houve muita reclamação. A começar pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Quando essa moeda se desvaloriza (dólar), o que acontece? Valoriza o euro, atrapalha os países europeus, atrapalha os países latino-americanos, atrapalha o Brasil, atrapalha a própria China", ponderou.

Um importante conselheiro do Banco da China, o banco central do país, fez dura crítica à nova injeção de recursos pelo Fed.

"Na medida em que o mundo não restringe a emissão de moedas, como o dólar, a ocorrência de uma outra crise é inevitável, conforme alguns poucos sábios ocidentais já vêm alertando", escreveu Xia Bin, em artigo publicado em um jornal do governo chinês. Autoridades da Alemanha e da Tailândia também se queixaram do afrouxamento quantitativo do Fed. / COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

4 RAZÕES PARA ... O real se fortalecer e o dólar encolher

1.Os juros nos EUA estão muito baixos e os investidores procuram o lucro fácil de países onde se paga mais pelo dinheiro. Os juros altos no Brasil são um convite a esses investidores que trazem dólares para o país

2.Anteontem, o Fed (o BC dos Estados Unidos) inundou o planeta com dólares ao lançar um pacote de estímulos para a sua combalida economia. Assim, funciona a lei de oferta e procura: se há muita oferta (de dólares), seu preço cai

3. Está em curso uma disputa cambial, em que os países tentam proteger suas economias; a China, por exemplo, mantém paridade artificial de sua moeda em relação ao dólar

4. A capitalização da Petrobrás foi um fato isolado, mas colaborou com a enxurrada de dólares no País