Título: País precisa ajustar as contas e poupar
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2010, Economia, p. B1

Bancos privados devem auxiliar o BNDES na concessão de créditos, pois ele está no limite, diz economista Claudio Frischtak, economista

Para potencializar as medidas que o governo promete anunciar nos próximos dias para estimular alternativas de financiamento de longo prazo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o País precisa ajustar as contas e poupar. É o que diz o economista e consultor Claudio Frischtak, que coordenou o trabalho "Financiamento Voluntário de Longo Prazo no Brasil". Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Seu trabalho diz que estão amadurecendo as condições para o desenvolvimento do financiamento privado de longo prazo no Brasil. Por que ainda temos mais de 70% desse crédito no setor público, por meio do BNDES?

Quando se fala nos diferentes mercados de financiamento de longo prazo, há medidas operativas a se tomar. Mas por trás delas, há necessidade de outras coisas para potencializa-las. A redução da taxa de juros é um elemento central. Para fazer isso de forma estrutural, é preciso um programa fiscal de médio e longo prazo. Não precisa mudar hoje, mas é preciso dizer, com credibilidade, que vai aumentar a taxa de poupança do País. E do setor público em primeiro lugar. O BNDES não pode ser a única fonte de financiamento de longo prazo, não é sustentável. O governo está preocupado com isso, não estamos falando ao vento. A questão é como romper esse nó.

O novo governo precisa gastar menos, fazer ajuste fiscal?

Claro. É repensar os gastos, particularmente os correntes. É preciso aumentar a poupança do setor público. Hoje, ele "despoupa". Nos próximos dois ou três anos, temos condições de zerar o déficit nominal, de fazer do setor público um poupador líquido. O resultado será uma redução dramática das taxas de juros em termos reais e nominais. O financiamento voluntário de longo prazo no Brasil vai depender, do ponto de vista estruturante, disso.

Esse programa fiscal deveria ser adotado logo pelo novo governo?

O ideal é que seja anunciado na transição, antes de 1º de janeiro. Somos um País que poupa pouco. Não vamos chegar à taxa de poupança asiática, não é esse o nosso contrato social, mas também não podemos ter uma poupança tão reduzida. Isso tem a ver com incentivos para as famílias pouparem mais, mas o essencial é o setor público. É ele que "despoupa".

Um choque?

Não diria isso. Há coisas mais estruturais que não são da noite para o dia, mas tem que ter compromissos. Quais? Zerar o déficit nominal em três anos. E no quarto, um superávit nominal de 1% do PIB. É um choque, mas no bom sentido.

Por que o sr. aponta a atratividade dos títulos públicos como uma dificuldade para o desenvolvimento do financiamento privado de longo prazo?

Temos uma jabuticaba: a natureza da dívida pública. O investidor tem liquidez, alta rentabilidade e uma segurança fantástica com os títulos públicos. Melhor não existe. Por que comprar um papel de dez anos de um banco? O investidor estrangeiro não paga imposto de renda para entrar em dívida pública. Além disso, não há um mercado secundário para títulos privados, enquanto os públicos têm muita liquidez.

O seu trabalho mostra o interesse dos estrangeiros pelo Brasil, especialmente pelos papéis de longo prazo. É uma oportunidade mal aproveitada?

O brasileiro é viciado em curto prazo porque tem a memória inflacionária. O não residente, de modo geral, tem prazos médios de aplicação mais longos. Temos uma janela com a economia internacional numa situação muito delicada. Os juros reduzidos internacionalmente é a melhor coisa que existe. Introduzindo alguns novos mecanismos, os bancos privados e os projetos vão começar a obter um funding de longo prazo porque o Brasil se tornou atraente, a economia é sólida e o diferencial de juros, significativo.

O governo está prometendo anunciar um pacote de incentivos nos próximos dias. O pode ser feito de imediato para incentivar o crédito de longo prazo?

A principal coisa é o regime tributário. Quem a gente quer atrair de cara é o investidor estrangeiro, que está louco pelo Brasil. Fazemos um regime de isonomia tributária para ele diversificar um pouquinho e não entrar só na dívida pública.

Fala-se muito do mercado de títulos, mas como financiar o crédito bancário de longo prazo?

Os bancos comerciais têm participação muito marginal. Cerca de 76% das operações de crédito para pessoa jurídica estão concentrados em médio e curto prazo. A primeira coisa a se discutir é o funding de longo prazo. Com a competição com os títulos públicos, o prazo mínimo das letras financeiras (LFs) virou máximo. As LFs deveriam ser tratadas como as debêntures dos bancos, bonds bancários. Propomos o fim do compulsório das LFs superiores a dez anos. E o incentivo tributário para os compradores.

Mesmo com os lucros recordes, os bancos terão interesse de entrar no longo prazo?

Claro. O País tem um programa de investimentos em infraestrutura que terá de ser realizado, independente do governo eleito, nos próximos 15, 20 anos. É um negócio. Dada nossa estabilidade, nossas regras de Basileia, interessa muito.

O sr. aponta um crescimento anual das carteiras de crédito superior a 15% nos próximos anos. O BNDES, cujos desembolsos são recordes, não dá conta?

O BNDES está no limite. O desenvolvimento de um mercado é bom para o País e para o próprio BNDES. Seria muito interessante para ele se alavancar em cima dos bancos privados com parcerias em que eles entram com uma parte, multiplicando o poder de financiamento do BNDES. E os bancos vão ganhar dinheiro com isso também.