Título: Governo anuncia pacote de crédito combinado com o setor privado
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2010, Economia, p. B1

Iedi, Fiesp, CNI e Febraban formularam propostas, junto com o BNDES, para facilitar o financiamento de empresas e de grandes obras

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anuncia nos próximos dias um pacote de medidas para estimular o financiamento de longo prazo no País. Entre as ações que vão ser executadas pelo governo, estarão algumas das propostas de um documento, obtido com exclusividade pelo "Estado", lançado por meia dúzia de entidades, quatro delas da indústria e uma da habitação, além da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Durante o período de elaboração, os autores do trabalho mantiveram intensa interlocução com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. Em setembro, cópia do texto foi entregue a Mantega. A receptividade, segundo apurou a reportagem, foi positiva.

O trabalho sugere, entre outros pontos, que quem compre títulos de dívida de longo prazo emitidos por empresas (10 anos, por exemplo) não pague Imposto de Renda; redução dos depósitos compulsórios (dinheiro que os bancos devem deixar no Banco Central, ou seja, não pode virar crédito) nos financiamentos para infraestrutura e habitação; e mudanças regulatórias que estimulem a negociação desses títulos no mercado financeiro.

Redigido pelo economista Claudio Frischtak, "Financiamento voluntário de longo prazo no Brasil - análise e recomendações" começou a ser feito no início deste ano por iniciativa do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e do Instituto Talento Brasil - associação sem fins lucrativos que tem o empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas e filho do vice-presidente José Alencar, como um dos principais colaboradores.

Ao longo da elaboração, o trabalho foi apresentado a outras entidades, que contribuíram com sugestões e acabaram por apoiá-lo. No fim do processo, foi subscrito também pela Febraban, pelo Secovi-SP (Sindicato da Habitação de São Paulo), pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp, então dirigida interinamente pelo presidente da CSN, Benjamin Steinbruch) e Confederação Nacional da Indústria (CNI, já sob o comando de seu novo presidente, Robson de Andrade).

Ou seja, o tema conseguiu pôr do mesmo lado dois segmentos da economia brasileira que se estranharam bastante nos últimos anos: indústria e bancos.

Nó. Para muitos especialistas, o financiamento de longo prazo será um dos grandes nós que o governo Dilma Rousseff terá de desatar. "O Brasil precisa desenvolver mecanismos para financiar a longo prazo, sem os quais não teremos os investimentos necessários para manter ou até mesmo ampliar a taxa de crescimento", define Gomes da Silva.

Hoje, o BNDES é o principal provedor desses recursos. Sozinho, responde por quase 19% da taxa de investimentos no País. Mas há consenso de que sua atuação chegou ao limite. No ano passado, o BNDES desembolsou R$ 137,4 bilhões, quase 50% mais que em 2008. Para este ano, a expectativa é de que o orçamento fique próximo ao de 2009.

A forte expansão é explicada pela crise global. Para estancar a paradeira que se instalou na economia logo após a quebra do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, o governo abriu as torneiras dos bancos públicos. Para manter um ritmo intenso de empréstimos, o BNDES teve de ser capitalizado pelo Tesouro Nacional em mais de R$ 200 bilhões. A política causou polêmica, porque elevou o endividamento do governo.

No limite. O próprio BNDES reconhece que não pode ir além. "Mesmo que pudesse, não seria a trajetória mais desejável", diz o superintendente da área de pesquisa e acompanhamento econômico do BNDES, Ernani Torres. Na avaliação dele, a falta de crédito de longo prazo é problema específico do Brasil, que passa pelo fato de "as pessoas ainda se comportarem como se o País ainda tivesse inflação elevada". Por isso, ele avalia que "o conjunto mais importante das reformas microeconômicas (do próximo governo) será esse".

Para o presidente do Conselho Curador do Iedi e copresidente do Conselho de Administração da Natura, Pedro Passos, uma das principais virtudes do trabalho é justamente propor mudanças que podem ser adotadas com relativa facilidade - ou seja, não incluem, por exemplo, alterações na Constituição. "O documento elenca uma série de alternativas factíveis, inclusive do ponto de vista jurídico."

O presidente do Secovi-SP, João Crestana, acredita que um dos entraves mais importantes ao financiamento de longo prazo está na falta de segurança jurídica. No caso imobiliário, explica, isso se traduz em interrupção de empreendimentos que conquistaram a aprovação das mais variadas autoridades. "De repente, chega um órgão público e suspende um projeto que já estava vendido", exemplifica. "Estamos falando de financiamento de 30 anos. Uma lei não pode ser afetada por um decreto."

Esse ponto está contemplado no trabalho do Iedi e do Instituto Talento Brasil. Outro é o desenvolvimento do mercado secundário de títulos privados (emitidos por empresas). Hoje, esses papéis negociam diariamente menos de 10% que os títulos do governo - R$ 8,3 bilhões/dia em setembro, ante R$ 820 milhões.

Caricatura. O economista-chefe da Febraban, Rubens Sardenberg, diz que os bancos estão dispostos a financiar esse tipo de investimento. "É uma caricatura dizer que os bancos não querem emprestar." Mas, para que esse mercado cresça, argumenta, é preciso justamente efetuar mudanças como as propostas por Iedi e Instituto Talento Brasil. "O funding (fonte de recursos) no Brasil é de curto prazo. Os investidores, aqui, privilegiam a liquidez, por causa da cultura de indexação", exemplifica.

Dia 24, Febraban e BNDES promovem um seminário em São Paulo para discutir alternativas de financiamento no País. O presidente da entidade, Fabio Barbosa, e Coutinho serão as duas principais figuras do evento.

Provedor de peso

19% é a parcela do BNDES na taxa de investimentos no Brasil

R$ 137,4 bi foi o total desembolsado pelo banco no ano passado

50% foi a porcentagem de aumento dos desembolsos em relação a 2000

R$ 200 bi foi a capitalização que o Tesouro fez no BNDES para que o banco pudesse manter um ritmo intenso de empréstimos

ALÉM DO BNDES

As 5 principais propostas:

Isonomia tributária Isenção de Imposto de Renda para estrangeiros que compram títulos públicos deve ser estendida a compradores de títulos corporativos, letras financeiras e demais títulos de longo prazo

Isenção de impostos Os títulos de prazos muito longos devem ter isenção de Imposto de Renda por um certo período. O incentivo deve incidir conforme a duração do título, e não do prazo de detenção por parte de seu comprador. Outro incentivo sugerido consiste na não incidência de recolhimento compulsório sobre as letras financeiras de prazo superior a 10 anos

Infraestrutura e habitação Incentivo importante nessas áreas seria a redução do recolhimento compulsório dos bancos em proporção aos financiamentos concedidos, desde que obedeçam ao prazo mínimo de 10 anos e sejam direcionados para a infraestrutura/habitação

Mercado secundário O documento defende várias ações para que sejam desenvolvidos os mercados secundários para venda de títulos de longo prazo, de forma a ampliar a liquidez e, assim, incentivar as aplicações de prazos mais longos. Da mesma forma, são indicadas ações para que os financiamentos longos por parte dos bancos, incluindo o BNDES, possam ser securitizados

Segurança jurídica e marco regulatório As entidades pedem medidas para dar maior segurança para operações de longo prazo e o estabelecimento de marcos regulatórios mais condizentes com as operações de longo prazo, como registros de informações de crédito adequados e a criação do cadastro positivo