Título: Governo vai buscar entendimento entre o BC e a Fazenda
Autor: Fernandes, Adriana ; Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2010, Economia, p. B4

Motivo de tensão durante os dois mandatos do presidente Lula, o governo da presidente eleita Dilma Rousseff deve buscar maior unidade na política econômica, com maior coordenação entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central. O caminho é tentar promover uma maior interlocução entre as políticas monetária, fiscal e cambial para chegar ao objetivo principal de provocar uma redução mais acelerada da taxa básica de juros, a Selic, sem colocar em risco o controle da inflação.

Desde a fase aguda da crise, no fim de 2008, BC e Fazenda passaram a atuar mais afinados. As mudanças na diretoria do BC no último ano, com a saída de figuras ortodoxas como Mário Torós (ex-diretor de Política Monetária) e Mário Mesquita (ex-diretor de Política Econômica) e a substituição por funcionários de carreira do setor público (Carlos Hamilton, do quadro do BC, para a diretoria de Política Econômica) e Aldo Mendes (egresso do Banco do Brasil, para Política Monetária), fez avançar o diálogo.

Aldo Mendes e o diretor de Normas do BC, Alexandre Tombini, têm uma boa interlocução com o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, principal formulador da equipe do ministro Guido Mantega, e cotado para ocupar um posto de destaque na equipe de Dilma. Mendes mantém linha direta com Barbosa na discussão sobre como o câmbio.

A aproximação entre Fazenda e BC, no entanto, ainda tem de avançar.

Há divergências em temas como a política fiscal, o ataque à indexação e o nível da meta de inflação. Esse alinhamento será decisivo para baixar a Selic. O BC considera a política fiscal expansionista e já mandou vários recados à Fazenda. O principal deles é o de que as manobras contábeis adotadas este ano não têm a menor importância do ponto de vista da política de juros. Em seus documentos, o BC deixou claro que conta com um aperto fiscal no ano que vem para que o juro se mantenha no patamar de 10,75%. Se o afrouxamento nos gastos persistir em 2011, o BC avalia que há sério risco de os juros subirem.

Outro ponto a ser atacado é a redução do ganho da poupança. Apesar dos recados do BC, a Fazenda interrompeu a discussão para não contaminar o período eleitoral. Se quiser que a Selic caia abaixo de 8%, o governo precisa alterar a regra que fixa em 6% mais a Taxa Referencial (TR) o rendimento da poupança. Se não houver essa mudança, há o risco de um grave desequilíbrio nas remunerações das aplicações financeiras e na capacidade de o governo se financiar.

A meta de inflação, definida em 4,5% até 2012, é também entrará na agenda. Apesar de o Conselho Monetário Nacional ter decidido, por unanimidade, manter a meta em 4,5%, o BC entende que o País pode ter uma meta mais baixa, o que facilitaria a queda dos juros no longo prazo. A Fazenda diz que manter a meta em 4,5%, permitiu uma queda maior dos juros nos últimos anos.

A Fazenda diz que o BC poderia ter ousado mais, trabalhando com juros menores. Na visão dos técnicos, boa parte da alta da inflação que ocorreu em anos como 2008 e no início de 2010 foi resultante de choques de oferta e não de um crescimento econômico explosivo, tese do BC.

Uma estratégia que produza maior coordenação entre Fazenda e BC deverá combinar uma política fiscal forte o suficiente para não pressionar a política monetária. Mas cobrará a adoção de uma postura menos "ortodoxa" do BC nos juros.