Título: Não acuso ninguém. Mas não deixarei de investigar até o fim
Autor: Ribeiro, Marili ; Cançado, Patrícia
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2010, Economia, p. B4

Luiz Sandoval, PRESIDENTE DO GRUPO SILVIO SANTOS

Há 40 anos, o executivo Luiz Sandoval é um dos principais escudeiros do apresentador e empresário Silvio Santos. Em meio ao mais dramático episódio na história do grupo, Sandoval diz ter sido pego de surpresa pelo que chama de "inconsistência contábil" no Panamericano. Em entrevista ao Estado, Sandoval diz ter certeza de que o grupo não vai quebrar e que vai apurar as responsabilidades pelos problemas. "Não sei se houve fraude", afirma. "Não acuso ninguém, mas também não deixarei de investigar até o fim."

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Quando o sr, ficou sabendo que o Panamericano estava com problemas?

Há dois meses, fui informado pelo Banco Central que, numa fiscalização de rotina, foi constatada uma inconsistência contábil no Panamericano, que gerava uma séria distorção, inflando nosso patrimônio. Ficou decidido, depois de concluído o trabalho, que teríamos de providenciar um aporte de capital para fazer o acerto patrimonial, sem diluir a participação dos acionistas minoritários. Todos os acionistas, a começar pela Caixa Econômica Federal manterão incólumes suas posições.

Houve fraude nas práticas que resultaram no tal patrimônio inflado, na sua opinião?

Não sei se houve fraude, mas sim uma inconsistência contábil. Não acuso ninguém, mas também não deixarei de investigar até o fim. Por isso mesmo, em concordância com o Banco Central e com a direção da Caixa Econômica Federal, já contratar uma nova auditoria, a PricewaterhouseCoopers, para uma minuciosa apuração dos fatos e dos motivos que nos levaram à essa situação.

Por falar em fraude, a Deloitte, a empresa de auditoria do Panamericano, não levou uma bola nas costas?

Não vejo a questão assim. Temos de entender que a auditoria, exceto quando é contratada para um fim determinado, como estamos fazendo com a Price, trabalha em cima dos números que a empresa fornece. Se esses números têm um vício na origem, dificilmente serão detectados. A auditoria analisa a consistência dos números apresentados pelo cliente. E é preciso ter claro que o problema tampouco foi notado por uma outra auditoria renomada, como a KPMG, que analisou os balanços do Panamericano quando da associação com a Caixa, em julho deste ano.

O sr. vai trocar de auditoria?

É possível, mas isso é uma decisão para ser tomada ou não mais adiante, num outro momento. Por enquanto, vamos nos focar no trabalho da Price.

Qual teria sido a motivação dos executivos responsáveis pelo ocorrido?

Neste momento, estou tratando de arrumar a casa. Não gostaria nem poderia acusar ninguém, embora por dever de ofício tenha de investigar todas as hipóteses. Seria leviano tanto fazer acusações agora, como isentar a priori os ex-executivos do Panamericano.

Qual foi a explicação do antigo presidente do Panamericano, Rafael Palladino?

Em conversas informais, ele garantiu que foi erro, barbeiragem na execução, mas que não houve má fé ou dolo. Eu tenho de aceitar a palavra dele, mas também tenho a obrigação de fazer uma auditoria especial.

Ele estava preparado para ocupar essa posição?

Ele é um homem de vendas, sua origem não é o mercado financeiro. Quem era do ramo, mesmo, no Panamericano era o Wilson de Aro, diretor financeiro e de relações com investidores e do banco.

Então, o ex-presidente Palladino não entendia do mercado financeiro...

Não estou dizendo isso. Afinal, o Palladino estava há 20 anos no Panamericano: nesse meio tempo, aprendeu muita coisa.

O sr. se sente traído?

Não. Acho que foi um acidente de percurso, que logo será absorvido e não afetará o banco ou o Grupo Silvio Santos.

Qual a reação de Silvio Santos?

Evidentemente, ele não gostou, mas também não saiu gritando. Depois que explicamos a ele os detalhes, quais seriam os desdobramentos, ele ficou tranquilo.

Como fica o Panamericano?

Toda a diretoria anterior foi afastada. Temos uma nova diretoria constituída por gente de fora, com larga experiência no mercado financeira. A Caixa indicou cinco diretores e nós indicamos três, entre eles o novo superintendente do banco, Celso Antunes da Costa. Ele foi escolhido em comum acordo com os integrantes do Fundo Garantidor.

O banco será vendido?

Se houver uma proposta interessante... Na verdade, o Panamericano, como quase todos os nossos ativos, não é intocável. O próprio Silvio diz que não se sente um banqueiro. Ele nunca foi à sede do banco, na Paulista. O único negócio que ele não admite vender é o SBT.

Mas o grupo não vai precisar se desfazer do banco?

Não há necessidade. Vou dizer uma coisa: apenas uma parte, uns R$ 700 milhões, dos R$ 2,5 bilhões, serão necessários para cobrir perdas patrimoniais. O restante vai para o caixa do banco. Com isso, nossa liquidez, que era de R$ 1,3 bilhão por dia, vai mais que dobrar, passando a cerca de R$ 3 bilhões. Além disso, é preciso esclarecer que os bens colocados em garantia, como o SBT, o Baú e a empresa de cosméticos Jequiti têm valor de mercado superior ao empréstimo contraído. Vamos tocar nosso plano de negócios com a Caixa. Ampliaremos o financiamento para a baixa renda. A Panamericano Seguros vai operar no balcão das agências da Caixa. Tenho certeza que o Panamericano sairá um outro banco desta crise. Como se diz por aí: há males que vêm para o bem.

Como o mercado recebeu os acontecimentos?

Com naturalidade. É normal que as pessoas se assustem e fiquem preocupadas com a possibilidade de o grupo quebrar. Mas quem está no mercado sabe que não é esse o caso. Basta ver que instituições como o Bradesco, o Itaú, o Alfa, o Santander, fazem parte do Fundo Garantidor e nos deram seu total apoio, possibilitando a tomada do empréstimo. O mesmo está acontecendo com nossos grandes clientes fornecedores.

O sr. está ha 40 anos no grupo, muitos deles como presidente. Passada a tormenta, se é que vai passar, o sr. pretende se aposentar?

De jeito nenhum. Tenho um dever de lealdade muito grande com o Silvio e não pretendo abandonar o barco, seja mais tarde, quando a situação estiver serenada, e muito menos agora, em meio à turbulência. Além disso, acho que não conseguiria viver bem sem estar trabalhando.