Título: Mantega quer uso de nova moeda em negociações
Autor: Trevisan, Cláudia ; Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2010, Economia, p. B12

Ministro da Fazenda avalia que política econômica dos EUA abre brecha para substituição do dólar em transações internacionais A política de agressiva expansão monetária dos Estados Unidos colocou em xeque o uso do dólar como reserva internacional de valor e gerou a necessidade de um novo sistema monetário internacional, disse ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

"Na medida em que os Estados Unidos insistem em fazer uma política olhando só para o próprio interesse e não se comportam como um Estado que tem a responsabilidade pela coordenação financeira internacional, eles abrem espaço para que façamos uma mudança do sistema financeiro e coloquemos novas moedas", declarou o ministro, em um contundente ataque aos norte-americanos na véspera da reunião de líderes do G-20, que ocorre hoje e amanhã em Seul.

Mantega defendeu que outras moedas desempenhem o papel reservado hoje quase exclusivamente ao dólar e aumentem a participação no comércio e nas transações internacionais.

A proposta do ministro prevê a utilização dos Direitos Especiais de Saque (DES) do Fundo Monetário Internacional (FMI) como a moeda internacional que poderia substituir o dólar na condição de reserva de valor.

Atualmente, os DES têm como referência uma cesta de moedas formada por dólar, euro, iene e libra, que deveria ser ampliada para incluir o real e o yuan, de acordo com o ministro brasileiro. Os DES são uma espécie de moeda contábil do FMI e dão aos países membros da instituição o direito de sacar reservas em moeda estrangeira em momentos de necessidade.

A eventual mudança - que não está no horizonte - implicaria na alteração do papel do FMI, que passaria a ser "uma espécie de banco mundial emissor de DES", ressaltou Mantega.

Em 2009, a China apresentou uma proposta semelhante, ao defender o fim do uso do dólar como moeda de reserva internacional e substituição pelos DES.

A necessidade de reforma do sistema monetário global também foi levantada ontem pelo presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, que participa da reunião do G-20. Segundo ele, o mundo caminha para um "Bretton Woods 3", que dará a outras moedas maior peso nas transações internacionais, com proporcional encolhimento do dólar.

Apesar de ter tratado da questão em artigo publicado no Financial Times na segunda-feira, Zoellick negou que defenda a volta do padrão-ouro, sistema no qual todas as moedas devem estar lastreadas em ouro.

Mas ressaltou que a atual corrida de investidores para o metal reflete a crise do sistema monetário atual e evidencia a transformação em curso.

Na avaliação de Mantega, o dólar ficou maior do que a economia dos Estados Unidos e tem um peso desproporcional nas operações internacionais. No comércio, 70% das transações são pagas na moeda norte-americana, enquanto a participação do país nas exportações e importações é de 25%. O mesmo ocorre nas reservas internacionais de US$ 8 trilhões acumuladas por diferentes países, a maioria das quais denominadas em dólar.

O ministro reconheceu que o assunto é delicado e não estará na declaração final de amanhã dos líderes do G-20. Mas ele próprio pretende levantar o problema na intervenção que fará hoje em reunião com os demais ministros de Finanças do G-20.

"A discussão não é fácil, mas tenho certeza que ela vai aparecer na mesa porque é o desdobramento natural dos problemas que estamos vivendo", observou Mantega.

Por enquanto, a discussão da revisão do papel do dólar não está no discurso que será proferido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no encontro de líderes, mas o ministro deve conversar hoje com ele sobre o assunto.