Título: Obama tira dos EUA peso da retomada
Autor: Dantas, Fernando ; Trevisan, Claudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2010, Economia, p. B15

Em carta, líder dos EUA diz que responsabilidade de manter o equilíbrio econômico é dos países com supérávit em conta corrente

O presidente americano, Barack Obama, deixou claro ontem em carta enviada aos líderes do G-20 considerar que os principais responsáveis por garantir a sobrevida da recuperação global e evitar os desequilíbrios macroeconômicos são os países com superávit em conta corrente, como China e Alemanha.

No momento em que os Estados Unidos viraram um dos principais alvos de reclamações por causa do plano de injeção de US$ 600 bilhões no mercado, que provoca a desvalorização do dólar, Obama afirmou que "a força do dólar depende em última instância da força fundamental da economia americana". A carta foi divulgada pela Reuters.

O raciocínio do presidente americano é evidente: a injeção seria crucial para recuperar a economia dos EUA, e não deveria ser criticada. Esse ponto fica mais evidente quando Obama escreve que "todos nós reconhecemos agora que as fundações de uma recuperação forte e durável não vão se materializar se as famílias americanas pararem de economizar e voltarem a gastar com base em endividamento".

Em outras palavras, o presidente americano defendeu a redução do consumo nos Estados Unidos como um primeiro passo para reorganizar a economia do país. Isso, por sua vez, é equivalente ao aumento das exportações e redução das importações, o que só pode ser obtido com a desvalorização do dólar.

Em seguida, mudando o foco para os países com superávits, Obama escreveu que "assim como os Estados Unidos devem mudar, também devem as economias que anteriormente dependeram das exportações para contrabalançar as fraquezas da sua própria demanda".

Não contente com o recado à Alemanha e à China, o presidente americano ainda afirmou que "o rebalanceamento das fontes da demanda global, junto com a determinação pelo mercado das taxas de câmbio que reverta significativas subvalorizações, são a melhor base para as mudanças que tragam a recuperação vigorosa e bem equilibrada que todos queremos". A China tem uma taxa de câmbio desvalorizada e não fixada pelo mercado.

Interpretando por uma ótica americana, no documento final da reunião dos ministros das Finanças do G-20 em Gyeongju, na Coreia do Sul em 22 e 23 de outubro, Obama escreveu que "o novo consenso sobre cooperação econômica global" estabelece "como desreprimir a demanda nos países superavitários pode dar suporte a um forte crescimento global à medida que os países deficitários aumentam a poupança e consertam os balanços financeiros danificados pela crise"".

Para Obama, é esse enfoque que "compromete todos nós a seguir políticas que reduzam o risco de que desequilíbrios insustentáveis ressurjam". Num sinal de que esse risco é verdadeiro, o superávit comercial da China subiu para US$ 27,1 bilhões em outubro, mais do que os economistas previam.

Em seguida, o presidente americano reconhece que em Gyeongju enfatizou "a responsabilidade dos países com moedas de reserva" - é justamente por considerar que falta responsabilidade americana nesse papel, ao lançar a injeção de US$ 600 bilhões.

Obama, porém, não fez a ligação dos deveres de emissor de moeda reserva com o programa de recompra de títulos públicos, insistindo no papel que "taxas de câmbio determinadas pelo mercado, combinadas com o compromisso de se evitar a desvalorização das moedas por razões competitivas, pode facilitar o ajuste global. A se ter como verdadeira a crítica de vários países do G-20 de que a injeção de US$ 600 bilhões tem o objetivo de desvalorizar o dólar, o compromisso mencionado pelo presidente americano seria contraditório com as políticas de emissão do Federal Reserve, banco central americano.

Mesmo na questão fiscal, Obama mostrou na carta que não está propenso a aceitar, no que toca aos Estados Unidos, a posição do Brasil de que uma solução para os problemas de demanda dos países ricos seria mais impulso fiscal. Segundo o ministro da Fazendo, Guido Mantega, a injeção monetária de US$ 600 bilhões não estimula o consumidor americano, que não quer se endividar, e acaba provocando elevação excessiva das commodities (criando riscos inflacionários para o mundo) e alta das bolsas, além de se direcionar para países com juros altos, como o Brasil. Para Mantega, os Estados Unidos deveriam usar política fiscal para estimular o mercado doméstico com projetos de infraestrutura, obras públicas e ampliação de estradas.