Título: Derrota reduz poder democrata e deve empurrar Obama para agenda externa
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2010, Internacional, p. A18

Limitação. Sem maioria na Câmara para levar adiante seus projetos domésticos de recuperação econômica e criação de empregos, presidente americano pode ter no campo diplomático uma boa oportunidade de mostrar resultados positivos e firmar-se para 2012

Diante da derrota nas eleições para o Congresso, a atenção do presidente dos EUA, Barack Obama, pode voltar-se para sua agenda externa. A presença mais forte de republicanos nas duas Casas impedirá qualquer avanço da Casa Branca em relação a Cuba e cobrirá com forte viés ideológico outros imbróglios da América Latina, como Honduras, Nicarágua e Venezuela.

Mas a região já estava fora do radar da Casa Branca antes da eleição. A aposta de Obama estará na China, na Índia - onde chegou ontem - e na Rússia, no processo de paz no Oriente Médio e na solução para Afeganistão e Iraque.

As eleições de terça-feira resultaram no controle da Câmara dos Deputados pela oposição republicana, que também quase conquistou a maioria no Senado. A consequência imediata será a perda do poder da Casa Branca de ditar as soluções para a crise econômica e de promover reformas internas. A partir do dia 18, o presidente americano tentará o diálogo direto com os republicanos na Casa Branca. Mas a possibilidade de extrair da oposição a continuidade de sua agenda doméstica é nula.

Segundo um colaborador do governo de George Bush pai, Obama terá o desafio de se "reinventar", depois da derrota eleitoral. A mesma opção pela política externa foi tomada por antecessores que sofreram perdas semelhantes nas eleições de meio de mandato, como Ronald Reagan.

A guinada para a agenda externa, se confirmada, terá curto prazo, segundo Júlio Carrión, professor de Ciências Políticas da Universidade de Delaware. O calendário eleitoral de 2012 indica que qualquer avanço terá de ser obtido até junho de 2011. Ao retornarem das férias de verão, a Casa Branca e o Congresso mergulharão na corrida presidencial. Nesse caso, a agenda econômica prevalecerá.

O presidente honorário do Diálogo Interamericano, Peter Hakim, não acredita numa guinada radical. A agenda interna, especialmente a recuperação econômica e a geração de empregos, será fundamental para o projeto de reeleição e não poderá ser abandonada. Hakim antevê dificuldades no novo Congresso, que tende a tornar mais ideológicos temas externos e ser menos propenso ao multilateralismo.

Como explicou, o Congresso não tem poder nos EUA para interferir nas decisões de Obama nessa área - salvo no caso de Cuba, do acordo de redução de arsenais nucleares com a Rússia e outros tratados futuros. Mas tenderá a pressionar a opinião pública por meio de resoluções e audiências. A primeira delas, segundo Hakim, certamente será sobre Honduras. Em 2009, parlamentares republicanos não só foram favoráveis ao golpe como deram apoio ao governo de facto instalado no país.

Na diplomacia comercial, Obama continuará limitado pelo próprio partido, avesso a acordos de liberalização e detentor da maioria no Senado. Nessa Casa, a presença de senadores da ala mais radical dos republicanos, o Tea Party, tenderá a complicar a aprovação de tratados firmados com Colômbia, Panamá e Coreia do Sul.

O professor Arturo López-Levy, da Universidade de Denver crê que, na agenda de Obama, "a América Latina continuará a ser um assunto de importância secundária". O tema da reaproximação EUA-Cuba não deve prosperar. As eleições de terça permitiram a ascensão da deputada republicana Ileana Ros-Lehtinen para a Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Trata-se de uma arqui-inimiga da flexibilização do embargo. Para o Senado, a Flórida escolheu Marco Rubio, que segue a mesma linha.

Segundo López-Levy, Obama poderia deixar um legado positivo e de baixo custo político ao facilitar as viagens de americanos e a venda de produtos agrícolas a Cuba e retirar o país da lista de protetores de terroristas. Esse gesto, em sua opinião, melhoraria a relação dos EUA com Havana e a percepção da América Latina sobre seu governo. "Mas o maior problema foi que Obama deu pouca atenção ao tema cubano."

PONTOS-CHAVE

América Latina Republicanos podem barrar aproximação com o cubano Raúl Castro (foto). Brasil pode ser beneficiado com saída de parlamentar contra redução de subsídios agrícolas

Oriente Médio EUA investem no processo de paz entre israelenses e palestinos. Com o Irã, Casa Branca tenta negociar o fim do programa nuclear de Mahmoud Ahmadinejad

Europa e Ásia Opositores podem impedir aprovação do Tratado de Redução de Armas Nucleares com a Rússia. Com a China, Obama deve pressionar pela valorização do iene