Título: Levo o nome de quem quis me matar
Autor: Cavalheiro, Rodrigo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2010, Internacional, p. A21

Após 7 anos na prisão, Fidel Suárez, dissidente cubano exilado em Madri diz que libertações vieram para calar de vez a oposição

Até a adolescência, o orgulho pelo próprio nome o levou a repetir com ânimo redobrado o bordão ensinado na escola: "Pioneiros pelo comunismo, seremos como o Che!" Fidel Suárez Cruz nasceu em 13 de novembro de 1970 em Manuel Lazo, localidade de 8 mil habitantes ao norte de Havana. Depois do serviço militar, voltou ao povoado natal, onde se tornou agricultor, pescador e dissidente.

Em 19 de março de 2003, quando seu filho tinha 14 dias, foi detido na chamada Primavera Negra, onda de repressão que levou 75 dissidentes à prisão por ordem de seu xará. Em 7 de julho deste ano, depois da morte por greve de fome do preso Orlando Zapata, dos 135 dias de jejum do oposicionista Guillermo Fariñas e das marchas das Damas de Branco, o governo cubano fez um acordo com a Igreja e Madri: prometeu soltar em quatro meses os 52 dissidentes ainda encarcerados. O prazo termina hoje.

Manco da perna direita, com a visão turva e duas vértebras lesionadas, Suárez chegou há um mês com a família ao Welcome, albergue no bairro operário de Vallecas, em Madri. Na Espanha, estão 37 dos 39 dissidentes soltos pelo regime castrista - um está no Chile e outro nos EUA. Os 13 restantes se negam a sair da ilha.

"Sei que a luta se ganha dentro de Cuba. Por isso, quando coloquei o pé naquele avião fiquei vazio. Aceitei sair por causa da minha família", diz Suárez, abraçado a Jeferson, o menino que urinou na cama durante os 7 anos e 6 meses em que o pai ficou preso. Quem relata os traumas da criança é Anileys Puentes, mulher de Suárez. Ela era uma das Damas de Branco que aos domingos caminhavam e apanhavam pela libertação dos maridos (mais informações nesta página). Suas marchas seguem. Mas tanto as damas quanto os dissidentes dizem ter perdido voz após as libertações em série e as medidas econômicas anunciadas recentemente por Raúl Castro.

"O desinteresse por nós é natural, pois já não somos novidade. Notícia é o homem morder um cachorro, não o contrário", afirma o engenheiro Miguel Galván Gutiérrez, de 45 anos, vizinho de Suárez tanto no albergue quanto atrás das grades. Ambos estiveram em Aguica, prisão de pior reputação em Cuba. Ali, uma placa adverte na entrada: "Você chegou a Aguica. Se não se orienta, nós lhe orientaremos."

Na penitenciária, as celas têm 6 m². Dorme-se em blocos de concreto, sobre os quais repousam colchões com 3 cm de espessura.

Detentos mais rebeldes, que se recusem a deitar sobre eles, são erguidos pelos braços e pernas e, então, soltos. Suárez atribui a este castigo, repetido 19 vezes, a lesão na coluna que o obriga a dormir em posição fetal.

Em Aguica, contam seus ex-hóspedes, um buraco na cela conhecido como "turco" faz as vezes de vaso sanitário. O piso da cela fica em um nível mais baixo que o do corredor, onde uma claraboia de 1,5 m por 50 cm deixa entrar luz e, eventualmente, água. Em dias de tempestade, a cela é alagada e o "turco" deixa de ser um buraco. Se chove pouco, o preso seca o chão com um trapo. "Se a chuva durasse semanas, ficávamos ilhados sobre a cama", acrescenta Suárez. Ele foi condenado a 20 anos dois dias após sua prisão, sob acusação de "difundir notícias falsas, receber dinheiro do estrangeiro e se expressar contra o regime".

Entre os parentes dos nove dissidentes que ainda estão no Welcome, são comuns críticas às três refeições pagas pelo governo espanhol. A comida está sempre fria e falta arroz com feijão, reclamam. "Para mim está boa. Há um mês estava comendo pedra", exagera Suárez, para logo precisar: "Era normal a comida ter "gusanos" (expressão do espanhol que designa tanto vermes como oposicionistas cubanos)."

Em Aguica, os presos têm 25 minutos de visita a cada dois meses e uma visita íntima de três horas a cada cinco meses. Por indisciplina, Suárez passou várias vezes pela solitária e teve os benefícios cortados pela metade.

Suárez conta suas histórias com o vocabulário de quem lia bastante na prisão. Normalmente sussurra, como se ainda fosse vigiado. Sobe o tom apenas quando fala de mudanças em Cuba. "A nossa libertação não é sinal de abertura. É uma estratégia dos Castros para diminuir a pressão externa e fazer o regime ganhar um ar. É mais fácil que o regime mude se cair o (presidente venezuelano Hugo) Chávez do que com uma revolta interna organizada", diz Suárez.

A coesão não caracteriza os dissidentes. Houve brigas sobre a forma de pressionar a União Europeia a manter uma posição unificada contra Cuba - a Espanha faz esforço no sentido contrário. Alguns oposicionistas não se falam e outros simplesmente não falam - querem ser pagos por entrevistas. O que une o grupo, aparentemente, é a disposição de ir para os EUA. A embaixada americana em Madri entrevistou a maioria e apenas cinco preferem a Europa. Em geral, querem voltar à oposição e pensam que na Europa são "mais um". Perderam visibilidade.

"Lá nos EUA tenho família e contatos para seguir lutando. Há instituições que nos mandam dinheiro e nos ajudariam", afirma Suárez, um autointitulado "direitista não radical" que deixou de "querer ser como o Che" ao questionar detenções temporárias e interrogatórios de amigos em Manuel Lazo. "Quando entrei para a oposição, cheguei a decidir que trocaria de nome. Tive muito ódio. É o nome do homem que quase me matou."