Título: País perde R$ 56 bilhões por ano com má gestão dos recursos da educação
Autor: Alvarez, Luciana
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2010, Vida, p. A25

Educação. Estudo da Fiesp mostra que Brasil investe mais que outros países da América Latina, mas tem resultado menos efetivo na aprendizagem, taxa de aprovação e desempenho; problema envolve corrupção, burocracia e políticas públicas inadequadas

A má gestão do dinheiro público investido na educação faz com que o Brasil perca anualmente R$ 56 bilhões, segundo um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que será apresentado em um seminário amanhã. Se o País investisse na área com a mesma eficiência de outros sete países da América Latina, a média de escolaridade nacional subiria 2,4 anos e o PIB per capita aumentaria 10,5% em dez anos.

Entre 1999 e 2008, o poder público do Brasil gastou US$ 978 anuais por estudante, resultando em uma média de 6,1 anos de estudo da população. Sete nações latino-americanas (Uruguai, Bolívia, El Salvador, Peru, Paraguai, Nicarágua e Equador ) gastaram em média 7,4% a mais que o País (US $ 1.050 por estudante), mas a escolaridade da população ficou 35,2% superior à brasileira.

A taxa média de analfabetismo nacional foi de 11,3%, e a desses países da América Latina, de 8%. A repetência dos alunos do primário, no Brasil, atingiu 21,4% dos alunos - índice também muito superior a dos outros países latino-americanos, que tiveram 5,8% de repetência.

Na comparação com outros países, o Brasil perde ainda mais. A China gasta o correspondente a 48,5% do gasto do Brasil, mas tem anos de escolaridade 19% superior, além de uma menor taxa de analfabetismo. "Defendo que se gaste mais em educação, mas não se trata só de valores, precisamos de mais eficiência. Há países com gastos menores e resultados melhores", afirmou Renato Corona, gerente do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, responsável pela pesquisa.

Para o pesquisador, a culpa da ineficiência do investimento no ensino se deve a múltiplos fatores. "Entre as causas temos desde a corrupção e a burocracia, escolhas políticas equivocadas até problemas simples de gestão mesmo, como comprar computadores sem dar o treinamento adequado para os professores."

Além da média dos anos de escolaridade, o País fica atrás na qualidade do ensino oferecido. Das 57 nações que participam do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) - exame que mede habilidades de jovens de 15 anos em leitura, ciências e matemática -, o Brasil ficou com a 52.ª posição, perto de países do Oriente Médio e África.

Quando comparado a países que gastam volume de recursos semelhantes por aluno, somente os alunos da Colômbia tiveram nota inferior à brasileira na educação básica. Uruguai, Turquia e Chile despendem como o Brasil, mas conseguem que seus estudantes obtenham resultados muito melhores.

Economia. Segundo o estudo, além da perder em desenvolvimento pessoal dos alunos que estão aprendendo menos do que deveriam, o mau investimento provoca perdas econômicas para o País. A lógica é simples: profissionais mais educados são mais produtivos. Quanto maior a produtividade, maior a renda do trabalhador e, no acumulado, as riquezas do País. "A educação, juntamente com o capital físico e tecnológico, é um dos elementos que mais contribui para o crescimento da economia", diz Corona.

"A única forma de uma pessoa realmente se emancipar e ter oportunidade igual de crescimento na sociedade é pela educação. E um bom cidadão vai ajudar a construir um bom País", afirmou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. "Escola não pode ser depósito de criança. Temos de buscar a excelência em todas as redes de ensino."

Prioridades. Apesar de os números apontarem para perdas financeiras nacionais pela má gestão da verba pública em educação, o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri afirma que o País está em um bom caminho ao priorizar o ensino básico e ter metas de médio e longo prazo. "Sou otimista. Em primeiro lugar, porque o investimento está aumentando para o ensino básico; o número para o ensino superior está estável", argumenta.

Em 2008, porém, o Brasil ainda despendia 17,9% do orçamento para a educação no ensino superior público, mas apenas 3,5% dos alunos do sistema público eram beneficiados, segundo mostra o estudo da Fiesp. "O retrato atual é ruim, mas no passado foi bem pior. Ainda falta avançar muito no ensino médio e nos investimentos para a primeira infância", diz Neri. Segundo ele, uma educação melhor tem o potencial de melhorar as desigualdades econômicas e sociais do País. "A educação é a mãe de todas as políticas públicas. A escolaridade é a principal variável para se reduzir das desigualdades e também para se melhorar a saúde da população." Segundo o pesquisador, uma série de estudos mostra que 95% da melhora da saúde vem pela educação. Apenas 5% está relacionado ao aumento da renda.

PARA ENTENDER

Estudo é feito com base em estatística

Os valores apresentados pelo estudo realizado pela Fiesp são uma estimativa, elaborada com base em modelos estatísticos econométricos, segundo a analista da Fiesp Fulvia Escudeiro. "Primeiro comparamos os dados globais de investimento e de escolaridade dos países. Depois calculamos qual escolaridade o Brasil teria se os gastos fossem aproveitados como a média dos outros países. Isto é, gastando só o que tivemos, sem incluir um centavo a mais", explica Fulvia.

Feito isso, o último passo do estudo foi estimar o impacto que uma população com um maior nível de educação - 2,4 anos a mais na média nacional - acarretaria sobre a produtividade da mão de obra e, por fim, sobre o PIB do Brasil. O resultado de R$ 56,7 bilhões representava 1,8% do PIB em 2009.

Para fazer os cálculos, foram usados dados oficiais dos ministérios da Educação dos países analisados e informações de entidades internacionais, como Unesco e Banco Mundial, dos anos de 1999 a 2008.