Título: Mercado duvida de promessas de melhora fiscal
Autor: Saraiva, Alessandra
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2010, Economia, p. B6

Especialistas temem que Dilma não cumpra meta de redução da relação entre dívida e PIB

Os indicadores econômicos brasileiros mudaram drasticamente em oito anos, mas a preocupação do governo eleito em agradar ao mercado financeiro, não. Em seus primeiros pronunciamentos, a presidente eleita Dilma Rousseff destacou temas que têm causado desconforto entre os investidores, principalmente a piora das contas públicas em 2009 e 2010.

Dilma afirmou que o novo governo terá como meta reduzir a relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB) dos atuais 40,9% para 30% em 2014. O recado foi bem recebido pelos investidores, mas não "comprado", parodiando um jargão do mercado. Em outras palavras, o investidor quer fatos, não promessas.

"No início de 2009 e 2010, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, garantiu que a meta de superávit primário seria cumprida", disse o analista da Tendências Consultoria Integrada André Sacconato. "Mas, sem considerar as `maquiagens¿, a meta não foi atingida em 2009 (ficou em 2,05% do PIB, ante o objetivo de 3,3%) e nem será neste ano (a projeção dele é de 2,6% do PIB)."

Superávit primário é a diferença entre receitas e despesas, excluindo gastos com juros da dívida pública. Muitos o definem como a economia feita pelo governo para pagar os juros da dívida.

Entre 2003 e 2008, o mercado viveu em lua de mel com o governo Lula na área fiscal. A meta de superávit primário foi cumprida praticamente em todos os anos (excetuando-se 2006, que ficou na `margem de erro¿, com 3,24% do PIB). Com o estouro da crise global, em setembro de 2008, o governo decidiu despejar dinheiro público na economia para tirá-la do buraco - no quarto trimestre de 2008 e no primeiro de 2009, o PIB teve contração de, respectivamente, 3,6% e 0,8%.

Por isso, as contas pioraram e o governo recorreu a artifícios contábeis para não mostrar a efetiva deterioração. Em setembro, por exemplo, o superávit primário foi "recorde" - R$ 27,8 bilhões -, graças a uma manobra com a capitalização da Petrobrás. Sem isso, teria havido um déficit superior a R$ 5 bilhões.

Risco

Por ora, não há dúvida sobre a capacidade de o Brasil honrar seus compromissos. Ou seja, o risco de solvência do governo brasileiro é zero - não à toa, o País ostenta o chamado grau de investimento, concedido pelas principais agências de classificação de risco de crédito do mundo.

No entanto, com histórico fiscal complicado, que remonta à época da Independência (como mostra o jornalista William Salasar, no livro recém-lançado A Longa Estrada da Dívida), qualquer piora das contas governamentais causa desconforto.

"É louvável ouvir a presidente eleita falar em melhora da situação fiscal", elogia o professor do Insper (ex-Ibmec São Paulo) José Luiz Rossi Junior. "Só não gosto muito dessa ideia de estabelecer metas tendo poucos instrumentos para cumpri-las."

Ele argumenta que o novo governo deve ter como foco a redução das despesas públicas, que, por sua vez, levarão naturalmente a uma queda da relação dívida/PIB. Nas contas do economista-chefe da Convenção Corretora, Fernando Montero, os gastos públicos terão crescido 71% após oito anos do governo Lula. No mesmo período, o PIB terá crescido 37%. "O foco daqui para a frente deveria ser o gasto público."

Especialista em política fiscal, Montero tem um argumento diferente da maioria de seus pares. Segundo ele, como não há risco de insolvência no País, a diminuição da relação dívida/PIB fará pouca diferença do ponto de vista de queda da taxa de juros - segundo economistas, há uma relação direta entre a política fiscal e a monetária ou, em outras palavras, quem gasta menos paga menos juro para se financiar. Por isso, segue a mesma linha do professor do Insper. "É a redução do gasto que derrubará o juro."

Ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, o consultor Amir Khair acredita que a relação causa-efeito é exatamente oposta à dos colegas. Para ele, só a queda do juro melhorará efetivamente as contas públicas no País. Segundo Khair, o Orçamento brasileiro é muito rígido e tem pouco espaço para uma efetiva redução de custos - nas contas dele, de no máximo 0,6% do PIB.

"A saída é mexer no juro", diz. Para os que contra-argumentam afirmando que o País tem uma meta de inflação a cumprir (e, portanto, o juro deve ser usado só com esse objetivo), ele defende que o governo, quando necessário, use seu poder de persuasão para limitar altas de preços na economia.