Título: Consenso tímido só veio na última hora
Autor: Dantas, Fernando ; Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2010, Economia, p. B1/3/4

Mecanismo para medir os grandes desequilíbrios da economia mundial enfrentou a resistência dos chineses, que se negam a comprometer o yuan

A definição do mecanismo que será usado para medir os grandes desequilíbrios da economia mundial foi a mais difícil negociação entre os países do G-20 e deixou a China praticamente isolada. O consenso em torno do assunto só foi alcançado ontem, poucas horas antes da divulgação do comunicado assinado pelos líderes reunidos em Seul.

Os chineses resistiram, mas no fim aceitaram a fórmula que prevê uma avaliação da situação de cada país até novembro de 2011, quando termina a presidência da França no G-20.

Apesar de não ser explicitamente direcionado à correção do patamar desvalorizado do yuan, o mecanismo poderá indicar a questão cambial como um dos fatores responsáveis pelo grande superávit do país asiático em suas transações com o restante do mundo e apontar eventuais "medidas corretivas".

A China cedeu nesse ponto, mas vetou outra proposta dos Estados Unidos voltada explicitamente ao valor desvalorizado de sua moeda. Os americanos queriam que os países se comprometessem a não praticar "subvalorizações competitivas", mas os chineses insistiram em manter a redação aprovada pelos ministros de Finanças no mês passado, que fala em "desvalorizações competitivas".

A diferença é que a redação proposta por Washington contempla a situação de uma moeda que está abaixo do nível em que deveria estar, ainda que não se desvalorize, exatamente o caso do yuan.

Cobrança. Na entrevista que concedeu no fim do encontro, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi incisivo em sua cobrança pela mudança no regime cambial chinês, uma antiga reivindicação que encontra pouco eco em Pequim.

O americano afirmou que o valor desvalorizado do yuan é uma fonte de irritação não apenas para os Estados Unidos, mas para muitos parceiros comerciais da China. "Ele está subvalorizado. E a China gasta enormes quantidades de dinheiro intervindo para mantê-lo subvalorizado."

Obama reconheceu que o problema não será resolvido "da noite para o dia", mas sustentou que ele precisa ser enfrentado. Além de atacar a China, o líder americano se defendeu das acusações de que o pacote de injeção de US$ 600 bilhões tem por objetivo a desvalorização do dólar e o consequente aumento das exportações de seu país.

"De tudo o que eu posso ver, a decisão não foi desenhada para ter impacto sobre a moeda, no dólar. Ela foi concebida para o crescimento da economia." Os desequilíbrios que o G-20 tenta corrigir estiveram na origem da crise financeira que explodiu em setembro de 2008 e têm como representantes máximos a China e os Estados Unidos. O país asiático poupa demais e o americano gasta em excesso.

As duas pontas estão relacionadas, porque os chineses usam parte dos recursos que acumulam para financiar o endividamento e os gastos dos Estados Unidos, que geraram a crise mundial. Com o documento aprovado ontem, os líderes do G-20 criaram instrumentos para tentar reduzir esse desequilíbrio e trazer os déficits ou superávits nas transações externas a níveis "sustentáveis".

Para reduzir seu superávit, a China terá de reduzir suas exportações e aumentar as importações, o que implica a valorização de sua moeda - o movimento elevará o preço em dólares das vendas chinesas e diminuirá o das compras. "A China não queria de jeito nenhum", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

A criação do mecanismo de avaliação dos desequilíbrios globais foi a versão que substituiu a proposta dos Estados Unidos de limitar em 4% do PIB os déficits e superávits externos dos países, rejeitada pela maioria do G-20.

Os líderes reunidos em Seul avançaram em relação ao acordo fechado por seus ministros de Finanças, que se reuniram há duas semanas. Ontem, os presidentes e primeiros-ministros do grupo decidiram que a avaliação dos desequilíbrios globais será feita por um grupo de trabalho formado por representantes de todos os países do G-20, com base em diretrizes que serão definidas pelos ministros da Fazenda e presidentes do Banco Central.

Muitos dos líderes reunidos ontem reagiram de maneira contida ao resultado obtido. "O acordo de Seul é melhor do que desacordo", disse o presidente francês Nicholas Sarkozy, que assume a presidência do grupo em 2011. "Não foi heroico, mas progresso bom e contínuo", completou o britânico David Cameron.

Na avaliação do diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, a tensão dentro do G-20 reflete os conflitos entre as diferentes políticas domésticas de seus integrantes. "Eles querem ter as próprias políticas. Ao mesmo tempo, eles compreendem que em um mundo mais e mais globalizado, eles precisam considerar os efeitos e interações e não podem agir de maneira independente."