Título: Principal desafio: redução da Selic
Autor: Khair, Amir
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2010, Economia, p. B2
Há um compromisso explícito do novo governo de reduzir até o final de 2014 a dívida líquida do setor público (DLSP) dos atuais 40% do Produto Interno Bruto (PIB) para 30%. Para isso existem várias opções de política fiscal e monetária. Vamos admitir para cada ano, de 2011 a 2014, o PIB crescendo 4,5% e a inflação em 4,5%, e considerar dois caminhos para atingir esse objetivo: um, pelo resultado primário (receita menos despesas exclusive juros), e outro, pela taxa básica de juros, a Selic.
Primeiro caminho: ajuste pelo resultado primário. Foi o que vigorou nos governos FHC e Lula. O Banco Central fica livre para determinar a Selic conforme seus objetivos. O mercado financeiro prevê que a Selic seja de 11,75% em 2011. Vamos admitir que permaneça nesse patamar até o final de 2014. Nessas condições, para atingir o objetivo da DLSP de 30% ao final de 2014, o resultado primário necessário nos próximos quatro anos deveria ser de 3,1% do PIB.
Segundo caminho: ajuste pela Selic. Seria uma nova política em que se procuraria aproximar a cada ano a Selic do nível internacional dos países emergentes, de 6%. Neste ano a Selic média será de 10%. Ela cairia um ponto a cada ano: 9%, em 2011; 8%, em 2012; 7%, em 2013; e 6%, em 2014. Nessas condições, para atingir o objetivo da DLSP de 30% ao final de 2014, o resultado primário necessário nos próximos quatro anos deveria ser de 1,7% do PIB.
Esse segundo caminho permite, em relação ao primeiro, uma economia anual de 1,4% do PIB (3,1 menos 1,7). Em ambos os casos, em 2014 acabaria o déficit fiscal.
Atualmente, as despesas com juros atingem 5,4% do PIB. Em 2014 seriam de 3,7% do PIB, pelo caminho de não reduzir a Selic, ou de 1,9% do PIB, reduzindo-a em quatro anos para o nível internacional dos países emergentes. A vantagem fiscal é clara quando a política econômica passa a trabalhar com juros civilizados.
Mas pode-se argumentar que os juros só vão cair quando as despesas de custeio caírem. Será? Não creio. O que importa sob o aspecto macroeconômico é reduzir despesas. E juro é uma despesa que nos últimos 12 meses atingiu R$ 184 bilhões! Caso o País tivesse adotado uma política de taxas de juros civilizadas, essa despesa não existiria. O que diferencia o País em relação ao resto do mundo não são as despesas de custeio, mas as taxas de juros.
As despesas de custeio se destinam fundamentalmente para a área social e as despesas com juros só servem para reduzir os investimentos.
É aí que deverá o futuro governo centrar fogo. Pode, se quiser, seguir uma regra de não elevar as despesas de custeio acima do crescimento do PIB, usando o que sobrar para aumentar investimento. Mas o aumento de investimento é despesa do mesmo jeito e cria novas despesas de custeio para poder funcionar esse novo investimento. Exemplo: gasta-se em um ano com custeio o valor do investimento para construir e equipar um hospital.
Num país com má distribuição de renda, que levou a um elevado déficit social, e com gastos desnecessários com juros, que limitaram os investimentos em infraestrutura, parece natural que o próximo governo saberá tirar vantagem dessa lacuna fiscal herdada da péssima qualidade da política monetária que submeteu o País às maiores taxas de juros do mundo por mais de 15 anos. Além disso, apreciou o real mais do que as outras moedas e com isso está contribuindo para criar o rombo nas contas externas e desindustrializar o País.
Para sair dessa posição incômoda, é necessário que a futura presidente traga para sua responsabilidade a articulação das políticas monetária e fiscal. Baixando a Selic, caem rapidamente a despesa pública e o custo de carregamento das reservas e a apreciação do real deixa de ser tão agravada como foi até agora pela atração dos capitais externos especulativos. Está na hora de fechar as portas do cassino financeiro e concentrar recursos para o desenvolvimento econômico e social.
CONSULTOR, É MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV