Título: Irlanda terá socorro de até ¿ 50 bilhões
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/11/2010, Economia, p. B6

Principais bolsas do planeta reagiram com alta à decisão da Irlanda de aceitar a ajuda oferecida ao seu setor bancário pela União Europeia e FMI

ZURIQUE - A Irlanda aceita a criação de um "fundo de contingência" pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela União Europeia (UE) para resgatar seus bancos, permitindo ao mercado respirar aliviado e reconhecendo que sua crise apenas será resolvida com a ajuda externa. Porém, a disputa agora ficará em torno das condicionalidades que estão sendo impostas ao país .

França e Alemanha exigem que, em troca do dinheiro, a Irlanda eleve seus impostos. Dublin alertou ontem às autoridades da UE que isso "não é negociável" e que sua soberania fiscal será preservada.

Apesar disso, o mercado financeiro reagiu com entusiasmo à perspectiva de um pacote de resgate. Em São Paulo, a Bovespa subiu 1,54% e fechou em 70.781 pontos. O índice Dow Jones, de Nova York, teve alta de 1,57%, a Bolsa de Londres de 1,34% e a Bolsa de Frankfurt de 1,97%.

A elevação da carga tributária foi um dos pontos do acordo que a Grécia assinou com a UE em maio, para receber o seu pacote de resgate. A alta acabou levando centenas de empresas a deixarem o país, além de levar centenas de pessoas às ruas de Atenas. Agora, o assunto promete acalorados debates nos próximos dias de negociações.

Ontem, a UE já alertou, nas reuniões a portas fechadas com Dublin, que os impostos de 12,5% são os mais baixos da UE, e não podem continuar assim. A taxa atual seria apenas metade do que uma empresa paga para se instalar na Alemanha, o que para muitos na Irlanda explicou a expansão da economia nos anos 90 e no início desta década.

Guerra fiscal. Para a UE, o que a Irlanda faz, porém, é uma guerra fiscal que agora cobra seu preço. Multinacionais como a Google e a Dell se estabeleceram no país Irlanda com acordos praticamente de isenção de impostos.

O ministro de Finanças, Brian Lenihan, se recusa a falar do assunto e diz que os níveis de impostos fazem parte de uma política industrial. "Isso é algo fundamental para nossas perspectivas de crescimento." O que a Irlanda promete é apresentar um programa de cortes de gastos de 15 bilhões no início de dezembro.

Mas, para França e Alemanha, isso não será suficiente se a arrecadação não subir. Por ora, a solução é avançar na negociação para criação do fundo de contingência, cuja função imediata é dar uma solução aos bancos, e não ao buraco nas contas estatais.

Depois de ter sido pressionado a aprovar uma intervenção externa para evitar um contágio generalizado na zona do euro, o governo irlandês reconheceu ontem que o pacote envolverá "dezenas de bilhões de euros".

Diante da resistência da Irlanda, a constatação é que o pacote não poderá ser uma cópia do resgate grego de 110 bilhões. Há dois dias, o Estado revelou que o pacote poderia chegar a 100 bilhões, com parte para resgatar os bancos e outra parcela destinada aos cofres públicos, para reduzir o déficit de um terço do PIB.

Por enquanto, a ideia é iniciar o processo, dando uma solução à questão dos bancos. Ontem, o valor indicado também apontava para a possibilidade de essa parcela do pacote variar entre 46 bilhões e 50 bilhões.

"Será um grande empréstimos, pois seu objetivo é mostrar que a Irlanda tem poder de fogo para lidar com qualquer preocupação do mercado. Estamos falando em um empréstimo substancial", disse o presidente do BC irlandês, Patrick Honohan.

Os novos recursos viriam para dar garantias de sobrevivência aos cinco maiores bancos do país, quase todos já nacionalizados. A taxa de juros seria de 5%, a mesma aplicada aos gregos.

Mas Dublin espera não ter de usar o dinheiro do fundo de contingência. A ideia é que os saques ocorram apenas se houver um problema de liquidez. Pelo projeto, os bancos usariam o dinheiro para criar enormes colchões de segurança e garantir sua liquidez. "Esse dinheiro deve ir como capital. Em outras palavras, entra como um colchão e só sai se for necessário", disse Honohan.

"Os americanos fizeram isso já em 2008. Eles disseram a seus bancos: "Sabemos que vocês acham que não precisam de capital, mas nós achamos que o mercado acha que vocês precisa. Portanto, vocês precisam aceitar esse capital adicional"", explicou.

Quem também aceitou o fundo foi Lenihan, que nos últimos dias dizia que a Irlanda não precisava de recursos até meados de 2011. "A Irlanda claramente precisará de alguma forma de ajuda externa para lidar com seus problemas no setor bancário."

Exigências. Mas o FMI quer mais cortes de gastos. Entre 2000 e 2008, os salários do setor público no país cresceram 145%, ante 90% na Grécia. A Irlanda tem ainda o segundo salário mínimo mais alto da Europa, e isso também poderá entrar nas condicionalidades do pacote.