Título: Hora da verdade virá quando houver ciclo de alta dos juros
Autor: Modé, Leandro; Leopoldo, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/11/2010, Economia, p. B4
Cenário
A nova equipe econômica de Dilma Rousseff entoou todas as melodias que o mercado financeiro e os defensores da ortodoxia econômica gostam de ouvir no show de apresentação de ontem.
Alexandre Tombini, o novo presidente indicado para o Banco Central (BC), caprichou. Ele disse que vai trabalhar com "autonomia operacional total", e que esta é necessária e "da natureza" do sistema de metas de inflação. Melhor ainda, declarou que Dilma lhe afirmou que "não há meia autonomia nesse regime". E, para tornar a melodia ainda mais doce aos ouvidos do sistema financeiro, acrescentou que "é natural que participantes do mercado possam vir a atuar no BC", e que ele "não tem nada contra alguém do mercado no BC".
Em suma, é até mais do que a reafirmação total da continuidade do regime de metas, introduzido no Brasil há 11 anos e meio por Arminio Fraga, ex-presidente do BC e hoje gestor de recursos, Sérgio Werlang, ex-diretor do BC e atual diretor do Itaú e pelo próprio Tombini. Parece haver também, nas palavras do presidente indicado do BC, a preocupação de refutar a ideia de que houve uma suave transição no Copom nos últimos anos do governo Lula. Essa mudança seria a paulatina substituição, que de fato ocorreu, dos participantes do Copom oriundos do mercado, teoricamente mais ortodoxos, por servidores de carreira, que seriam mais abertos a uma perspectiva desenvolvimentista.
Esse comentário remete a uma pergunta crucial: quem decidirá quais serão os novos membros do Copom? Há quatro vagas a se abrir, incluindo a própria diretoria de Normas que Tombini ocupava. O novo presidente do BC é que vai bater o martelo, ou será o ministro da Fazenda, Guido Mantega? Os dois entrarão em acordo? Virá alguém de mercado para o BC? Mantega deixará que isso aconteça? Tentará colocar alguém alinhado com a Fazenda, como o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa?
Ao mesmo tempo em que Tombini reafirmava ontem, de forma retumbante, a continuidade do regime de metas, Mantega soava os instrumentos da austeridade fiscal, dizendo que "é o momento de reduzir os gastos do governo". O que é exatamente a receita ortodoxa para lidar com a alta da inflação que se prenuncia.
Não há dúvida de que, depois do ruído sobre a saída de Henrique Meirelles e supostas ameaças ao "tripé macroeconômico", o dia de ontem deve trazer tranquilidade. Mas não vai eliminar completamente as dúvidas trazidas por meses de discurso ambíguo, em que, em nome do desenvolvimentismo, muito se falou em "harmonizar" Fazenda e BC, o que pode ser lido como submeter o segundo à primeira. A hora da verdade ainda está por acontecer, e virá na hora em que o BC de Tombini achar que tem de elevar os juros para níveis que não necessariamente sejam do agrado da Fazenda e de Dilma.
É JORNALISTA DO ESTADO