Título: Haitianos têm dificuldade de votar e candidatos pedem anulação da eleição
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2010, Internacional, p. A16

Desorganização. Embora munidos de título e dispostos a ir às urnas, eleitores não conseguem encontrar suas zonas eleitorais e polícia intervém em protestos; dos 18 candidatos que concorrem à sucessão de René Préval, 12 pedem que a votação seja invalidada

ENVIADO ESPECIAL PORTO PRÍNCIPE

Patrick Trenad queria votar ontem nas eleições para presidente e para o Congresso do Haiti. Esteve em seis locais em busca de sua urna. Assim como este desempregado de 50 anos, milhares de haitianos em Porto Príncipe lamentavam a dificuldade para achar o centro de votação. Houve protestos. A desorganização e as denúncias de fraudes levaram 12 dos 18 candidatos a pedir a anulação da eleição.

A apuração demorará dias, segundo as Forças de Paz da ONU no Haiti (Minustah) e o governo local. O resultado deve ser conhecido dia 7 de dezembro. Se nenhum candidato tiver mais da metade dos votos, como preveem analistas, haverá segundo turno dia 16 de janeiro. Entre os candidatos que pediram a anulação estão todos os que apareciam na frente nas pesquisas, menos Jude Celestin, apoiado pelo presidente René Préval. Mirlande Manigat, ex-primeira-dama que liderou as últimas sondagens de intenção de voto, denunciou fraude e também pediu que a eleição fosse desconsiderada.

Nas portas dos centros de votação, eleitores exibiam orgulhosos seus títulos de eleitores. O problema é que o documento não indicava o lugar onde a pessoa deveria votar. Os haitianos deveriam buscar o local na internet ou ligar para um telefone celular. Os que conseguiam conexão à rede encontravam uma página fora do ar. Os telefones da comissão eleitoral provisória davam sinal de ocupado. Sem saída, os eleitores vagavam de um ponto de votação para outro.

Durante quatro horas, Trenad procurou sua urna. No primeiro posto, ainda cedo, havia calma. Seu nome não estava na lista. Na segunda parada a polícia haitiana, na porta de um prédio semi-destruído pelo terremoto, barrava eleitores que queriam checar se votavam ali. Uma mulher foi colocada para fora aos gritos.

Alguns, incluindo Trenad, conseguiram entrar. Novo fracasso. Jean Geste, o supervisor local, disse não poder fazer nada. "Tente outra escola. Aqui não temos a letra T", aconselhou. Fora, o estudante de jornalismo Roni Jervil estava revoltado. "Eles fazem de propósito, assim você não pode votar. Meu nome não está em nenhum lugar", afirmou em meio a uma dezena que também protestava. Analfabetos sequer podiam procurar seus nomes.

No terceiro local de votação, ninguém falava. Os mesários, sentados, olhavam para o nada. Quem não achava o nome saía sem reclamar. Trenad, também.

Na quarta parada, uma mulher votava em uma urna visível do lado de fora. Quem se interessou a viu marcar o "x" sob a foto e o nome de dois candidatos para presidente. O nome de Trenad também não estava ali.

O quinto centro foi o do liceu na praça principal de Petionville, região rica para os padrões haitianos. Filas se estendiam ao longo do quarteirão. Frustrados, eleitores gritavam "queremos votar, queremos votar".

Trenad, que pretendia votar em Mirlande Manigat, seguiu para a sexta e última tentativa. Havia vários nomes com a letra "T". Trazie, Trentios, Tresil, Trevant. Nada de Trenad. "Desisto. Tentei ao máximo votar. Veja quanta gente está querendo eleger o presidente. Mas eles não dão oportunidade. Fingem que é democracia, mas aqui a população não decide nada. Está armado para ganhar Celestin", afirmou. Do terraço, um eleitor mais revoltado berrava: "Se eu não conseguir votar, colocarei fogo em tudo". Em outros pontos da capital, eleitores descontentes quebraram as zonas eleitorais, embora a polícia tenha considerado a votação calma. Parte estava resignada. "Vou procurar o meu local para votar no segundo turno", disse Trenad.

PARA LEMBRAR País nunca teve sucessão democrática

Quando receber a faixa presidencial do atual presidente René Préval, o vencedor das eleições de ontem será o protagonista de algo inédito no Haiti: uma sucessão democrática. A história do país caribenho é marcada pela derrubada de 23 presidentes. Três foram assassinados, sem falar em outros 8 que morreram no poder, incluindo um suicida. Os 4,7 milhões de eleitores haitianos habilitados a votar escolherão 11 dos 30 senadores e todos os 99 deputados - a Câmara ruiu no terremoto de janeiro, às vésperas da votação que definiria seus ocupantes. Préval foi eleito em fevereiro de 2006, dois anos após Aristide ter sido obrigado a deixar o Haiti em meio a distúrbios.

A disputa Mirlande Manigat (foto) estava na frente nas últimas pesquisas, mas o músico Michel Martelly juntou multidões em comícios. O candidato do presidente René Préval é Jude Celestin

As reclamações 12 dos 18 candidatos a presidente pediram a anulação da eleição. Membros da ONU disseram não haver razão para contestação

A desorganização Filas imensas fizeram os haitianos protestar e a polícia interveio (foto). Milhares desistiram de votar ao não encontrar seus nomes nos locais de votação