Título: Bancos dividirão conta de socorros
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2010, Economia, p. B1

Acordo na Europa prevê que em futuros pacotes de resgate de países da região a conta seja dividida com bancos e fundos de investimento

Os governos da França e da Alemanha, em comum acordo com a Comissão Europeia, fecharam ontem, em Bruxelas, um acordo para tornar permanente fundo de socorro a países em crise de liquidez.

O Mecanismo de Estabilidade Financeira (ESM) contará com recursos dos países europeus e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e incluirá uma novidade de impacto: a possibilidade de reescalonamento de dívidas soberanas a partir de 2013, que se dará após negociação com bancos privados e fundos de investimento.

O objetivo da medida é dividir os custos de futuras crises econômicas com os investidores privados da Europa. A partilha da fatura se dará "caso a caso", por meio de uma alteração dos contratos de venda de títulos de dívidas públicas, que vinha sendo planejada em Berlim e Paris desde outubro e será adotada pelos 16 países da zona euro a partir de 2013.

"Na inesperada hipótese que um país possa correr o risco de insolvência, o país-membro tem de negociar um completo plano de reestruturação com seus credores do setor privado, em acordo com as práticas do FMI com o objetivo de restabelecer a sustentabilidade das dívidas", afirma o texto do acordo. "Se a sustentabilidade da dívida puder ser alcançada com essas medidas, o ESM poderá prover auxílio em liquidez."

O projeto havia sido lançado por França e Alemanha em 18 de outubro, durante uma reunião bilateral entre Nicolas Sarkozy e Angela Merkel, realizada em Deauville, na França. À época, o presidente e a chanceler discutiram as reformas de governança na União Europeia, prevendo novos instrumentos de coordenação macroeconômica, que exigem alterações do Tratado de Lisboa.

Então, Sarkozy defendeu uma bandeira: a perenidade do ESM, que será o herdeiro do atual Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF), que administra ? 440 bilhões, mas seria extinto em 2013.

Condição. Em troca da institucionalização do ESM - que se tornará uma espécie de Fundo Monetário Europeu -, Merkel apresentou sua condição: que os investidores privados sejam obrigados a pagar parte do custo do socorro. Essa divisão da fatura será criada a partir de 2013, por meio de cláusulas coletivas - ou Collective Action Clauses (CAC), em inglês - estabelecendo a possibilidade de extensão do tempo de reembolso dos títulos de dívida pública a serem lançados pelos governos europeus. Outra alternativa seria prever a queda de rendimento - o chamado "haircut" - dos títulos em caso de crise grave de um Estado da zona euro.

Ontem o acordo foi firmado em Bruxelas entre representantes dos governos da Alemanha e da França, Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, José Manuel Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, e Jean-Claude Juncker, premiê de Luxemburgo e presidente do Ecofin, o grupo de 16 ministros de Economia da zona euro. O documento de duas páginas prevê a inclusão das CACs nos títulos públicos, a exemplo do que já acontece nos Estados Unidos e no Reino Unido. "É um mecanismo que será usado nos mesmos moldes do FMI", reiterou em entrevista à rede de France Télévision a ministra da Economia da França, Christine Lagarde.

Um governo da zona euro em crise de solvência terá, assim, de procurar os investidores privados para negociar o reescalonamento de uma dívida antes de recorrer ao ESM. A renegociação reduziria a pressão exercida pelos títulos com vencimento de curto prazo - um dos problemas enfrentados na crise da Grécia. A adoção da medida radical, entretanto, será feita "caso a caso", em momento de grande crise, como defendia o governo francês, e não será "automática", como era defendido pela Alemanha. "A ideia é que o setor privado compartilhe com os países o peso de uma crise na zona euro a partir da aceitação de que uma dívida possa vir a ser renegociada", explicou ao Estado Cinzia Alcidi, economista e pesquisadora do Centre for European Policy Studies (CEPS), de Bruxelas.