Título: O ajuste fiscal necessário
Autor: Lacerda, Antonio Corrêa de
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2010, Economia, p. B2

A questão fiscal está na ordem do dia. Com a definição dos principais nomes da equipe econômica do governo Dilma Rousseff, o tema deverá ser um dos focos das ações previstas para os próximos anos. Na sua primeira entrevista, os membros da equipe deixaram explícito o compromisso com as bases da política macroeconômica em vigor. O primeiro aspecto a ser destacado é que o desafio brasileiro é pequeno, comparativamente à média internacional. O déficit público no Brasil, de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), está bem abaixo do que de muitos países. A média dos membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 31 países desenvolvidos, é de 7,6% e, no caso dos chamados Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), é ainda mais elevada, passando de dois dígitos em todos os casos. No Japão o déficit fiscal previsto para este ano é de 7% e nos EUA, de 10,5%.

Isso quer dizer que o esforço brasileiro é relativamente menor, o que nos permitirá, com um pouco de habilidade, reduzi-lo gradualmente, sem que para isso seja preciso sacrificar de forma significativa o crescimento econômico. Bem ao contrário dos países citados, dos quais muitos precisarão adotar medidas dramáticas de ajustes, que inexoravelmente implicarão um agravamento da recessão e suas decorrências.

O segundo ponto importante é que não basta ao Brasil reduzir quantitativamente o seu déficit nas contas públicas, mas garantir maior eficácia no uso dos recursos disponíveis, de forma a ampliar os investimentos e garantir melhora da qualidade dos serviços prestados, especialmente nas áreas de saúde, segurança e educação. Portanto, há implícito um desafio de gestão do setor público como um todo, como forma de garantir mais transparência, agilidade e eficácia.

O terceiro ponto é que o Brasil gera um superávit no conceito primário, quando se consideram apenas os gastos correntes, sem considerar as despesas com juros. O déficit no conceito nominal, que inclui os custos financeiros, decorre fundamentalmente do componente financeiro, em razão dos elevados juros praticados. O custo de financiamento da dívida pública brasileira consome 5,5% do PIB ao ano, ou R$ 185 bilhões. Para efeito de comparação, esse montante equivale a cerca de oito vezes o que o governo federal investe por ano, o que nos dá uma dimensão da desproporcionalidade. Pagamos muito juros e investimos pouco!

Isso significa que uma redução de 20% nos gastos com o financiamento da dívida implicaria diminuir em igual proporção a taxa de juros média praticada na remuneração oferecida aos títulos da dívida pública. Isso nos proporcionaria uma redução de 1 ponto porcentual no déficit público. Os 20% de redução nos juros parecem muito, à primeira vista, mas equivaleriam a reduzir a taxa de juros média dos atuais 10,75% para cerca de 8,75% - algo que já vivenciamos há alguns meses e que ainda é muito superior à grande maioria dos países. Portanto, algo plenamente factível, sem necessidade de "pajelanças" ou de mudar os compromissos com a meta de inflação. Apenas nos requereria aperfeiçoar o sistema e conduzi-lo com sabedoria.

Neste ponto o quadro internacional nos favorece, pois a maioria dos países tem adotado uma política monetária expansionista, associada a uma redução expressiva das taxas de juros nominais para um nível pouco acima de zero. Na prática, temos em grande parte do mundo desenvolvido juros reais negativos, considerando que há o efeito da inflação.

O quarto ponto, corretamente apontado pelo novo governo, é que o principal é sinalizar claramente dois compromissos importantes: que o crescimento dos gastos será inferior ao crescimento da economia e que a relação Dívida Líquida do Setor Público/PIB seja reduzida em dez pontos porcentuais nos próximos quatro anos. O indicador, que hoje está por volta de 40%, deveria reduzir-se para 30%. As medidas de contenção aqui abordadas, associadas a um crescimento médio do PIB da ordem de 5% ao ano, viabilizariam essa equação.

As mudanças nas áreas fiscal e monetária representam um dos elementos-chave para corrigir a valorização cambial. Corrigi-la demandará outro campo de medidas específicas, mas que por si sós não se sustentariam, sem um ajuste no campo fiscal e uma contínua redução das taxas de juros. É isso que pode garantir a expansão dos investimentos para proporcionar sustentabilidade do crescimento econômico, sem pressões inflacionárias e desequilíbrios na balança de transações correntes do balanço de pagamentos.

Se o quadro de início do novo governo é favorável, sob o ponto de vista das condições internas, o mesmo não se pode dizer sobre o cenário internacional. Lá fora ainda prevalecem muitas dúvidas sobre a recuperação dos EUA, da Europa e do Japão e as guerras cambial e comercial estão na mesa. Enfrentá-las nos exigirá um verdadeiro arsenal de medidas em várias áreas, que não poderemos nos dar ao luxo de procrastinar, sob o risco de inviabilizarmos o nosso desenvolvimento.

ECONOMISTA, DOUTOR PELO IE/UNICAMP, PROFESSOR-DOUTOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-SP, É COAUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE "ECONOMIA BRASILEIRA" (SARAIVA)