Título: EUA suspeitaram de ação de Dilma contra plano antiterror, diz WikiLeaks
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/11/2010, Internacional, p. A14

Entre os 251 mil documentos vazados por organização ativista, está uma mensagem do embaixador americano em Brasília que levanta suspeitas sobre possível boicote, por "razões ideológicas", da então chefe da Casa Civil a um projeto de combate ao terrorismo

Correspondente / Genebra

Documentos sigilosos do Departamento de Estado dos EUA responsabilizam a presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, por ter "cassado" em 2007 um projeto de lei que reforçaria o combate ao terrorismo no País. Segundo os telegramas internos de Washington, Dilma, na condição de chefe da Casa Civil, poderia ter rejeitado o projeto por questões "ideológicas".

"Apesar de não podermos confirmar definitivamente que a Casa Civil cassou a iniciativa por motivos políticos ou ideológicos, isso é certamente plausível", alertou um telegrama de 4 de abril de 2008, assinado pelo embaixador americano no País, Clifford Sobel.

Os documentos foram revelados pelo site WikiLeaks em meio aos mais de 250 mil telegramas sigilosos enviados por embaixadas americanas pelo mundo.

No telegrama enviado pela embaixada americana em Brasília ao Departamento de Estado, em Washington, a missão diplomática relata como o Planalto abandonou um projeto para reforçar as leis contra o terrorismo, "depois de anos de esforço de um grupo de trabalho do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência" de esboçar o projeto.

Segundo os americanos, a legislação brasileira não trata de atividades terroristas, financiamento do terrorismo ou o apoio ao terrorismo como crimes. A diplomacia americana entendeu que o governo, naquele momento, reduzia a importância da nova lei. Mas Washington lembrou que, poucos meses antes, o governo brasileiro admitia que a nova lei antiterrorismo era "necessária" para melhorar seu regime legal.

O documento indica que a decisão de Dilma foi seguida de um "silêncio" por parte da mídia e do meio político, o que mostraria o "vácuo" nas ações das elites em relação ao terrorismo.

Para os americanos, o apoio dessa elite seria necessário para superar a resistência do governo. "Nossos esforços (americanos) de colocar essa legislação de volta à agenda do Brasil serão esforços morro acima¿, indicou.

O governo americano indica que, assim que o projeto começou a ganhar visibilidade, o presidente da OAB, Cezar Britto, teria criticado a iniciativa por ser um ""véu para criminalizar ações de movimentos sociais e aqueles lutando por igualdade". No final de 2007, o governo anunciou que não mandaria o projeto de lei ao Congresso.

O telegrama ainda aponta uma conversa com o subsecretario de Política do Itamaraty, José Antonio de Macedo Soares e Janer Tesch Hosken Alvarenga. "Ambos indicaram que era impossível atingir um consenso dentro do governo sobre como definir o terrorismo", afirmou. A mensagem revela surpresa com o fato de Soares minimizar a importância da lei.

"Depois de várias autoridades brasileiras advertirem que o sistema legal brasileiro é falho, é lamentável, apesar de não ser surpresa, que Soares agora argumente que não há necessidade para o governo melhorar o regime legal para tornar ilegal o financiamento, planejamento e apoio a atos terroristas", dizia a mensagem.

O telegrama ainda cita um encontro com André Luis Soloszyn, analista de inteligência estratégica da Escola Superior de Guerra.

O especialista teria dito aos americanos que haveria pouca chance de o governo Lula aprovar a lei diante do "amontoado de militantes de esquerda que foi objeto de leis da ditadura militar para reprimir violência politicamente motivada". Para ele, o governo não avançaria com uma lei que poderia criminalizar movimentos como o MST.

Tanto Soares como Alvarenga também rejeitaram a possibilidade de a lei voltar a ser debatida. Alvarenga chegou a notar que a discussão sobre o terrorismo no Brasil estava em um "estágio de imaturidade".

Para EUA, Chávez ameaçava liderança brasileira

O governo americano chegou a pensar que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, estaria ameaçando os planos de liderança do Brasil na América do Sul. Os comentários da diplomacia americana foram feitos em um almoço no dia 4 de maio de 2005, entre o general Jorge Armando Felix e o embaixador dos EUA em Brasília, John Danilovich. Segundo o telegrama da embaixada, durante o almoço, o embaixador disse que "Chávez estaria atrapalhando os esforços do Brasil para ter um papel de liderança política e econômica na ¿América do Sul". Felix teria concordado com a afirmag80, fazendo um gesto positivo com a cabeça./J.c.