Título: A fragilidade de uma comunidade
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2010, Internacional, p. A12
Julian Assange, fundador do WikiLeaks, mudou 37 vezes de casa antes de completar 14 anos. Sua mãe não o matriculou em escolas porque tinha medo de que, com a educação formal, ele adquirisse respeito pelas autoridades. Ela não precisava ter se preocupado. Para um anarquista como Assange, a decisão de expor segredos é simples. Se o mundo oculto é suspeito, então tudo deve ser revelado.
Mas, para todos os outros, essa decisão é difícil. O New York Times, por exemplo, impôs filtros sobre os 250 mil documentos e publicou apenas uma pequena parcela deles. Alguns colocam em risco a vida de informantes. Outros ameaçam a estabilidade frágil da comunidade internacional. O fato de que vivemos em ordem, e não no caos, é uma grande conquista da civilização que não pode ser menosprezada.
Esta ordem é mantida pela tenacidade de soldados, mas também pelo diálogo de líderes mundiais e diplomatas engajados em conversas intermináveis todos os dias. Os despachos divulgados revelaram esse diálogo, que não tem nada de desonesto ou nefasto. Essas conversas são feitas à base de relacionamentos e sua qualidade é determinada pelo nível de confiança.
Infelizmente, essa qualidade foi prejudicada pela divulgação dos documentos - e vimos o que ocorre quando o diálogo se deteriora. Agora, os países estarão menos dispostos a compartilhar informações com os EUA. A cooperação contra o Irã, por exemplo, será mais difícil, já que muitos líderes árabes se sentirão expostos. O diálogo internacional está sob ameaça e dependemos dele para manter a ordem frágil que desfrutamos.
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