Título: É preciso evitar efeitos colaterais indesejáveis
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2010, Economia, p. B2

Embora a Medida Provisória 495 tenha sido concebida para vitaminar o desenvolvimento nacional, seguindo uma receita conhecida, é importante considerar se não teria algum efeito colateral indesejável.

A receita, prevista na teoria econômica, é a da proteção da indústria nascente, para que esta ganhe fôlego e aumente a sua produtividade sem enfrentar inicialmente a concorrência estrangeira. Para isso, a MP altera a Lei de Licitações, conferindo vantagens às empresas nacionais.

Assim, o primeiro risco seria que o Brasil fosse questionado na Organização Mundial de Comércio (OMC), onde, pelo princípio do "tratamento nacional", todos os membros devem assegurar igualdade de condições entre produtos nacionais e importados. No entanto, as compras governamentais são exceção. Ainda nesse âmbito, o Brasil poderia ter assinado o Acordo sobre Compras Governamentais, que prevê que serviços ou produtos importados dos países signatários não deverão receber tratamento menos favorável do que os nacionais. Mas não o fez. Logo, a MP não viola nossos compromissos na OMC.

Afastado esse risco no plano internacional, restam dois outros de caráter interno. Um deles é econômico. O outro, político.

O risco econômico é que, tradicionalmente, o critério mais relevante para vencer uma licitação no Brasil era o do menor preço. Para isso, a lei previa que as licitações deveriam observar o princípio da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa. Entretanto, a MP acrescenta a esses requisitos a "promoção do desenvolvimento nacional" e estabelece que os produtos e serviços locais podem ter valor até 25% superior aos importados. Desse modo, um dos efeitos da MP pode ser o aumento do gasto do governo, o que, logicamente, terá consequências fiscais. Estas precisam ser compensadas pelo impulso efetivo à produção e à inovação. Para definir a margem de preferência, a MP prevê a realização de estudos que levem em conta a geração de emprego e renda, o efeito na arrecadação de tributos, e o desenvolvimento tecnológico local.

As condições para que bens e serviços sejam qualificados como nacionais serão definidas pelo governo, e é aí que reside o risco político. O aumento do arbítrio na contratação pública abre espaço para a atuação de grupos de pressão, com todas as contraindicações conhecidas em termos de corrupção. Temos de estar atentos para que a MP atinja seu objetivo de aumentar a competitividade sem causar esses efeitos negativos.

DOUTOR EM DIREITO INTERNACIONAL PELA USP E SÓCIO DE L.O. BAPTISTA ADVOGADOS