Título: Brasil rejeitou receber presos de Guantánamo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2010, Internacional, p. A32

Segundo telegrama de 2005 divulgado pelo WikiLeaks Itamaraty alegou que proximidade com Cuba e as leis brasileiras não permitiam o refúgio

O Brasil rejeitou dar refúgio a prisioneiros da base de Guantánamo, em Cuba, mantidos pelos EUA. A informação foi revelada por um documento divulgado ontem pelo WikiLeaks. Segundo o despacho do então embaixador americano em Brasília, John Danilovich, em 24 de maio de 2005, a Divisão de Organizações Internacionais e a Divisão de Direitos Humanos do Itamaraty rejeitaram os pedidos de Washington para que o Brasil recebesse presos de Guantánamo.

Os motivos alegados pelos diplomatas brasileiros, diz o ex-embaixador, são a proximidade com o governo cubano e a legislação nacional. A diretora da Divisão de Direitos Humanos, Márcia Ramos, "disse que o relacionamento próximo com Havana torna impossível a aceitação de prisioneiros cubanos pelo governo brasileiro".

Questionada se o País aceitaria então apenas prisioneiros haitianos, a diplomata teria dito que a leis brasileiras não permitiriam o refúgio. O argumento apresentado seria o de que "o governo brasileiro não pode aceitar presos de Guantánamo porque é ilegal designar como refugiado alguém que não esteja no território nacional".

O documento ainda cita Luis Varese, representante brasileiro na Agência de Refugiados da ONU, explicando a posição do Itamaraty. Segundo Varese, o governo e o Comitê Nacional de Refugiados (Conare) só podem conceder status de refugiado a alguém se o país em que essa pessoa está - no caso os EUA - fizer o mesmo. Como os prisioneiros não foram oficialmente reconhecidos como refugiados pelos americanos, o envio deles para o Brasil é inviável.

De acordo com o documento, Varese afirmou que, por esse motivo, o Brasil nega receber prisioneiros desde 2003, "posição que não deve mudar em um futuro próximo". Danilovich ainda escreve que as tentativas de discutir o assunto com o Conare e com o Itamaraty "foram vagamente recusadas ou relutantemente aceitas".

No mesmo ano, mas em 17 de outubro, a embaixada dos EUA emitiu um novo comunicado às autoridades em Washington, dessa vez citando Marcelo Bohlke, da Divisão das Nações Unidas do Itamaraty. De acordo com o documento, Bohlke teria dito que consultaria as autoridades brasileiras sobre receber prisioneiros chineses uigures, o que considerou "improvável".

Bohlke, porém, solicitou à embaixada americana que explicasse por que os EUA não poderiam conceder o status de refugiado a esses prisioneiros. Os uigures são uma minoria muçulmana chinesa. Alguns presos de Guantánamo pertencem a essa etnia, que reclama do isolamento e do descaso de Pequim.

Revelações. O WikiLeaks começou a divulgar no domingo cerca de 250 mil documentos secretos dos EUA. Desde então, os despachos estão sendo publicados pelos jornais The Guardian, New York Times, Le Monde e El País e pela revista alemã Der Spiegel.