Título: Rússia faz acordo com a UE e está a um passo da OMC
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2010, Economia, p. B10

Para poder ingressar na Organização Mundial do Comércio, no entanto, o país terá de superar impasse comercial com o Brasil

A Rússia fechou um acordo com a União Europeia (UE) e anunciou que, com o entendimento, está finalmente a um passo de sua adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas o impasse agora é com o Brasil. Moscou cortou pela metade o acesso de produtos brasileiros ao seu mercado e o Itamaraty insiste que quer o mesmo acesso que os russos concedem a europeus e americanos.

Para a adesão de um país na OMC, cada candidato precisa fechar acordos comerciais com os membros da entidade. Por anos, o Brasil vem declarando seu apoio à adesão do Kremlin à entidade. No início do governo Lula, o Itamaraty chegou a fazer uma troca: apoiava a adesão da Rússia e, em troca, recebia o apoio do Kremlin para a adesão do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU.

Hoje, porém, a constatação é de que o apoio político não se traduziu em benefícios comerciais. Para acomodar europeus e americanos, os russos simplesmente cortaram pela metade a cota oferecida no início ao Brasil para a exportação de suas carnes ao mercado da Rússia, um dos mais importantes para o País.

Fontes no setor privado brasileiro, portanto, acusam Moscou de ter preterido o Brasil para garantir acordos com Washington e Bruxelas. Pela lógica do Kremlin, se um acordo fosse fechado com Europa e Estados Unidos, dificilmente a adesão da Rússia à OMC seria freado.

Mas não é isso que diz agora a diplomacia brasileira, irritada com o comportamento dos russos nos últimos meses e com um sentimento de traição. Afinal, Moscou faz parte dos Brics, estabeleceu alianças com o governo Lula e ainda atua em alguns foruns internacionais em cooperação com o Itamaraty.

Cota de carne. No lado comercial, porém, as coisas são bem diferentes. O Brasil exporta por ano mais de US$ 2 bilhões em carnes ao mercado russo. Mas, para 2011, o Kremlin anunciou que irá cortar pela metade a cota que dará para a exportação de carne suína nacional em 2011, limitando as vendas do País em apenas 250 mil toneladas. O problema é que esse volume ainda seria congelado por uma década, freando a expansão que as exportações brasileiras registraram nos últimos anos e garantindo o controle do mercado a europeus e americanos. Em 2010, a cota recebida pelo Brasil era de mais de 470 mil toneladas.

Moscou reduziu ainda em 60% a cota para as exportações de frango brasileiro a partir de 2010, também congelando os volumes por um tempo indeterminado. Por isso, diplomatas brasileiros que nesta semana se reúnem com o Kremlin insistem que não há um acordo para a adesão ainda da Rússia à OMC, como insinuou Moscou ontem.

Para Brasília, Moscou não deve se limitar a comemorar acordos com Bruxelas e Washington, pensando que o restante estaria disposto a aceitar a condição oferecida.

Se a atual proposta for mantida, ela basicamente congelaria o domínio americano e europeu sobre o mercado de carnes na Rússia, colocando o Brasil apenas para disputar uma fatia marginal das vendas.

Além disso, estabeleceria uma realidade que permitiria que os russos aumentem sua produção nacional, reduzindo suas necessidades de importação. Isso porque Moscou quer preservar seu direito a dar subsídios de quase US$ 10 bilhões ao ano para o campo.

O acordo foi possível depois que a UE aceitou o compromisso de Moscou de dar novas cotas para as exportações de bens agrícolas e carnes, além de remover tarifas de exportação para madeira. Outro ponto era a cobrança de taxas sobre o transporte ferroviário.

A Rússia é o terceiro maior parceiro comercial da UE, fonte de 60% da importação do gás que consome e tendo um papel estratégico fundamental.

Para o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, o acordo com a UE transforma a perspectiva da adesão da Rússia à OMC "em uma realidade". Isso porque a UE é o maior parceiro comercial dos russos.