Título: Decisão da OEA abre debate sobre STF
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2010, Nacional, p. A12

Para ministros, Lei de Anistia se sobrepõe à sentença de corte internacional de direitos humanos que exige punição por mortes no Araguaia

Um dia após a divulgação da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ministros do Supremo Tribunal Federal saíram ontem em defesa da decisão tomada em relação à Lei da Anistia.

Enquanto o STF julgou que houve anistia para quem se opôs à ditadura militar e para agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos, a Corte Interamericana determinou que o Brasil investigue e puna os responsáveis pelos chamados crimes contra a humanidade.

Para o ministro Cezar Peluso, a sentença da corte baseada em San José, na Costa Rica, não muda a decisão tomada pelo tribunal que preside. "Ela não revoga, não anula a decisão do Supremo."

Essa interpretação não é consensual. Para André de Carvalho Ramos, professor de direito internacional e direitos humanos da USP, o Brasil deve cumprir a decisão, segundo a qual só se concretizará o direito à verdade e à Justiça com a investigação e, se preciso, punição dos acusados.

Para Peluso, a decisão da corte gera efeitos no campo da Convenção Americana de Direitos Humanos. Não terá efeitos diretos em relação a pessoas processadas por crimes anistiados. Se isso ocorrer, segundo Peluso, elas poderão recorrer com pedido de habeas corpus. "O Supremo vai conceder na hora."

O ministro Marco Aurélio de Mello enfatizou que o governo está submetido ao julgamento do STF e não pode afrontá-lo para seguir a corte da OEA. "É uma decisão que pode surtir efeito ao leigo no campo moral, mas não implica cassação da decisão do STF", disse. "Quando não prevalecer a decisão do Supremo, estaremos muito mal."

Voto vencido no julgamento da Lei de Anistia, o ministro Carlos Ayres Britto concordou que prevalece a decisão do STF. Mas admitiu que o Brasil fica em posição delicada. "É uma saia-justa, um constrangimento para o País, criado pelo poder que é o menos sujeito a esse tipo de vulnerabilidade (o Judiciário)", disse.

Ramos, da USP, notou que a decisão de San José não afronta o STF. "As decisões do Supremo se referem às leis nacionais, mas estamos diante de um fundamento novo: as obrigações internacionais do Estado brasileiro."

O Brasil reconhece a jurisdição da corte de San José desde 1998, lembrou a professora Flávia Piovesan, da PUC-SP. Para Oscar Vilhena, da FGV, o País vai escolher agora sua posição: "O Brasil precisa saber se quer ficar como o Irã ou como a Suécia." / COLABOROU ROLDÃO ARRUDA