Título: O Copom na era Lula
Autor: Moura, Alkimar R.
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2010, Economia, p. B2

Na sua 155ª reunião, a última de 2010, o Copom decidiu, por unanimidade, pela manutenção da taxa básica de juros em 10,75% ao ano, sem viés. Essa reunião também foi a 75ª realizada no conjunto dos dois períodos do governo Lula e os resultados, olhando apenas para a taxa básica de juros, são certamente dignos de serem celebrados com alguma moderação - como convém a uma autoridade monetária. Na verdade, o governo Lula iniciou-se com um nível de juros de 25% ao ano, tendo-o elevado para 25,5% na sua primeira reunião, em janeiro de 2003, e, logo a seguir, para 26,5%, em fevereiro, atingindo o ponto máximo da taxa Selic nos dois períodos. De outro lado, o nível mais baixo foi fixado em 8,75% ao ano na reunião de 22/07/2009.

Essa queda acentuada na taxa básica de juros, entre o início e o final do governo Lula, foi provavelmente acompanhada pelo fato economicamente mais significativo da redução na taxa real de juros, embora em magnitude menor. Além disso, até onde no tempo é possível falar em taxas reais de longo prazo no País - relevantes para orientar as decisões de investimentos em ativos fixos pelos empresários -, aqui se pode supor que tenha ocorrido a conjugação de dois eventos favoráveis: um alongamento do prazo das operações e uma redução das taxas reais de juros.

É claro que as variações na taxa Selic devem refletir as decisões do Copom em busca dos dois objetivos da política monetária que realmente importam: a estabilidade de preços e o crescimento do PIB compatível com a capacidade produtiva da economia nacional. A avaliação do desempenho daquele colegiado nos períodos Lula I e II deve ser feita, portanto, em relação ao cumprimento de seu duplo mandato de promoção de estabilidade macroeconômica e do crescimento econômico. Aqui também, sem pretender oferecer uma resposta definitiva, pode-se sugerir que o Copom entregou o que fora prometido. Isto foi alcançado, apesar das enormes turbulências que afetaram e ainda afetam a economia internacional desde 2007, e que tiveram um impacto considerável sobre a economia brasileira no último trimestre de 2008 e ao longo de 2009. Há que se lembrar das querelas políticas domésticas, dos problemas pontuais em algumas instituições do sistema financeiro e da persistência do sorrateiro e insidioso fogo amigo. Todos esses fatores negativos não chegaram a comprometer a autonomia operacional e o desempenho daquele comitê.

Mais importante do que analisar o desempenho do Copom pelas métricas quantitativas convencionais é registrar o notável avanço qualitativo representado pela gradual consolidação institucional entre nós do regime de política monetária de metas inflacionárias. Imperfeito como qualquer arranjo humano para a tomada de decisões em colegiado, sujeito às dificuldades típicas de projetar cenários econômicos futuros envoltos pela incerteza, este regime tem, no entanto, a resiliência necessária para se ajustar às mudanças derivadas dos ambientes interno e externo, a capacidade para aprender com seus erros e a facilidade de comunicação entre o Banco Central e a sociedade, em relação às metas de política monetária.

Apesar dos últimos resultados, a transição para a nova administração impõe graves desafios ao Copom. As taxas mensais de variação no IPCA aceleraram-se nos últimos três meses e as expectativas de inflação para 2011 estão acima do centro da meta. A ata da última reunião do ano reconhece que as pressões sobre os preços decorrem da enorme expansão da absorção doméstica, ao sinalizar que "os riscos para a consolidação de um cenário benigno se circunscrevem essencialmente ao âmbito interno". Além disso, o câmbio sobrevalorizado tem funcionado como fator de estabilidade de preços, indicando que a inflação observada seria ainda maior, estivesse a taxa de câmbio real próxima ao seu nível de equilíbrio (sem entrar nas tecnicalidades de medir o que é este último conceito teórico).

Espera-se que o Copom enfrente os novos desafios com autonomia operacional, competência e tempestividade, para que o País possa consolidar os ganhos atingidos até agora.

PROFESSOR DE ECONOMIA DA FGV/SP