Título: Anarquismo sobre fronteiras
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/12/2010, O Mundo, p. 30

Autoridades apontam coordenação entre grupos; ataques aumentam 43% num ano na Europa

MEMBROS DE um grupo anarquista enfrentam a polícia em Atenas diante do Parlamento, em protesto contra a reforma universitária que abriria caminho a faculdades privadas

BOMBEIROS REMOVEM vidro quebrado após explosão diante de tribunal em Atenas

ATENAS e ROMA

Após a descoberta de 14 pacotes-bomba enviados a várias embaixadas de Atenas e autoridades europeias no mês passado, a capital grega voltou a ser vítima de ataques ontem, quando uma poderosa bomba escondida numa motocicleta explodiu diante de um tribunal, sem deixar vítimas. A explosão aconteceu poucas horas depois de uma outra, de menor proporção, diante da embaixada grega em Buenos Aires. Apesar de ninguém ter ainda reivindicado nenhum dos dois ataques, as suspeitas recaem sobre grupos anarquistas militantes, cujas crescentes atividades voltaram a preocupar a Europa, após três décadas de relativo esfriamento. Segundo a Europol, agência policial da União Europeia, os ataques de grupos de extrema-esquerda e anarquistas subiram 43% em 2009 em relação ao ano anterior, e cresceram mais de 100% comparando-se a 2007 e 2008, com a maioria dos incidentes registrados em Itália, Espanha e Grécia.

Autoridades europeias já afirmaram que grupos anarquistas capazes de danificar instituições estatais e financeiras estão se tornando cada vez mais violentos e coordenados internacionalmente, e poderiam estar tirando proveito das tensões sociais geradas pela crise financeira que castiga o continente. Prova disso são as explosões de duas correspondências em Roma, nas embaixadas da Suíça e do Chile na semana passada, ferindo seriamente duas pessoas. A organização italiana Federação Anarquista Informal (FAI), que reivindicou os ataques, confirmou num comunicado ter agido por solidariedade aos cerca de dez colegas gregos do grupo Conspiração do Núcleo de Fogo, presos por suposta ligação com o envio dos pacotes-bomba a embaixadas em Atenas: ¿Decidimos fazer nossas vozes ouvidas com palavras e fatos, vamos destruir o sistema de dominação, vida longa à FAI, vida longa à Anarquia¿, dizia o texto.

¿ Grécia, Itália e Espanha têm visto a presença de grupos anarquistas insurrecionais intimamente ligados ¿ alerta o ministro do Interior da Itália, Roberto Maroni.

Crise é motor de ataques recentes

Segundo a polícia grega, os membros do Conspiração do Núcleo de Fogo conclamaram outros grupos anarquistas europeus a reagirem com ataques violentos à prisão de seus membros.

Entre os anos 1960 e 1980, violentos ataques eram frequentes em todo o continente, muitas vezes resultando em mortes. Na época, as ações cometidas por grupos de extrema-esquerda como Brigadas Vermelhas, na Itália, Baader Meinhof, na Alemanha, e Ação Direta, na França, ocupavam frequentemente as manchetes de jornais. Nas últimas décadas, no entanto, o movimento perdeu força, e as autoridades europeias passaram a se concentrar sobretudo na ameaça do terrorismo islâmico. Mas, agora, os anarquistas ¿ e outros grupos antissistema ¿ vêm mostrando que ainda podem causar estragos.

Analistas atribuem o aumento de ações violentas em boa parte à crise econômica no continente. A Grécia e a Espanha, que registram a maior parte dos ataques, estão também entre os mais afetados pela crise. Estes dois países se viram confrontados recentemente a altas taxas de desemprego e cortes pouco populares em gastos do governo, sobretudo em áreas como educação, provocando a ira dos movimentos de extrema-esquerda. A tensão também cresceu na Itália, onde o governo é cada vez menos popular, e medidas de austeridade se tornam mais duras.

¿ Os anarquistas e rebeldes buscam elevar o nível de enfrentamento quando já há problemas ¿ disse Marco Boschi, especialista em anarquismo da Universidade de Florença. ¿ Eles tiram proveito de cada ocasião.

Um especialista do Centro de Estudos Superiores pela Luta contra o Terrorismo e a Violência Política, Alessandro Ceci, acredita que os anarquistas italianos estão se aproveitando, ainda, do tenso clima político no país, onde o governo de Silvio Berlusconi se encontra profundamente enfraquecido e quase não sobreviveu a uma moção de desconfiança no Parlamento há pouco mais de 15 dias. Minutos após o anúncio da vitória de Berlusconi, Roma se transformou num verdadeiro campo de batalha, embalado pela infiltração de anarquistas entre os manifestantes estudantis. Na ocasião, o prefeito da cidade, Gianni Alemanno, alertou para o retorno da violência na Itália nos moldes dos anos 70.

¿ Se eu fosse um investigador italiano (de polícia), estaria preocupado ¿ disse Ceci.