Título: Para EUA, Brasil nunca cobrou Cuba por violações, revela WikiLeaks
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2010, Internacional, p. A16

Telegramas tornados públicos pelo site mostram mal-estar de Washington com a falta de ação do Itamaraty e contrariam discurso oficial de Brasília, segundo o qual temas relacionados a direitos humanos são tratados de modo particular com Havana

Jamil Chade - O Estado de S.Paulo

Apesar das afirmações do Itamaraty de que trata a portas fechadas com Cuba a situação dos direitos humanos na ilha, um telegrama da diplomacia americana publicado pelo site WikiLeaks revela uma realidade diferente. Segundo os EUA, um diplomata brasileiro em Havana admitiu que a estratégia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi o de não levantar a questão nem em público nem em conversas privadas com autoridades cubanas.

O documento foi enviado pela Escritório de Interesses dos EUA em Havana, em 24 de novembro de 2009, para o Departamento de Estado. Ele relata como diversos países tratam Cuba em suas relações diplomáticas.

No caso do Brasil, o País estaria classificado como aqueles que adotam a posição de "melhores amigos para sempre". Esse grupo, do qual o Brasil seria um "modelo", é o dos que "não fazem nada e não dizem nada" sobre violações de liberdades básicas. "Um conselheiro político em Havana resumiu bem esse estilo: "Nós não levantamos assuntos relacionados a direitos humanos nem em público e nem de forma privada (com o governo de Havana)"", afirmou o telegrama. Segundo a diplomacia americana, os países desse grupo não tratariam de "temas de direitos humanos nem mesmo se o governo de Cuba não fizesse objeções a isso".

Em fevereiro de 2010, uma visita de Lula à Havana confirmaria esse padrão de comportamento. A viagem ocorreu exatamente no momento da morte do dissidente Orlando Zapata, após uma greve de fome de mais de dois meses. Lula evitou se pronunciar sobre o tema e coube a Raúl Castro acabar falando do assunto aos jornalistas, em companhia do brasileiro.

"Lamentamos muitíssimo (a morte). Isso é resultado dessa relação com os EUA", disse Raúl. Lula recusou-se a fazer comentários sobre o episódio. Diante da situação e das promessas de investimentos por parte de Lula na ilha, a diplomacia americana não deixa de apontar que de fato Cuba esperaria que todos os demais países do mundo a tratassem como faz o Brasil.

Além do Brasil, outros países que fariam parte dessa linha de ação estariam a China, Rússia, africanos, latino-americanos e mesmo alguns europeus.

Num outro telegrama, emitido pela embaixada americana em Brasília em 2008, o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, já dava sinais de que essa seria a posição do Brasil. Numa conversa com o embaixador americano Clifford Sobel, em 25 de junho, Garcia alertou os americanos que "não via Raúl fazendo nenhum tipo de concessão à pressão externa".

Em relação à decisão da UE de suspender suas sanções contra Cuba, Garcia apontou que essa seria "um sinal de que a percepção é de que Cuba estaria mudando". O assessor ainda revelou como, no Brasil, o setor empresarial e mesmo a imprensa estariam supostamente começando a entender a política brasileira para Havana. "Ele (Garcia) indicou que, no Brasil, tanto empresários quanto a imprensa que têm sido críticos da política brasileira para Cuba agora mudam seu tom", disse. "Os empresários estão agora mais interessados em investir."

Para Washington, porém, o "prêmio" de países que adotam o silêncio em relação às violações aos direitos humanos em Cuba são "risíveis". A compensação por esse comportamento seriam "jantares de pompa e encontros e fotos com os irmãos Castro".