Título: Lula acelera gastos no fim do governo e despesas batem o recorde da década
Autor: Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/12/2010, Economia, p. B1

Empenhos federais somam R$ 10,093 bilhões em dezembro, acima de 2008 e 2009; no ano, volume já chega a R$ 50,307 bilhões

No apagar das luzes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a máquina governamental acelerou os gastos. O volume de empenhos, que correspondem à primeira etapa de uma despesa federal e são uma espécie de reserva de dinheiro para pagar uma determinada mercadoria ou serviço, alcançou R$ 10,093 bilhões no mês de dezembro, até o dia 27, segundo levantamento da organização não governamental (ONG) Contas Abertas.

O valor, recorde para o ano, se refere apenas aos recursos relacionados a investimentos. O total em 2010, nesse dado parcial, já é o maior da década em termos nominais: R$ 50,307 bilhões. Essas cifras tendem a aumentar até a meia-noite de hoje.

Os empenhos de dezembro de 2010 superam os R$ 6,369 bilhões do mesmo mês em 2009 ou os R$ 4,801 bilhões do fim de 2008. Na última década, só o ano de 2007 registrou um volume maior de gastos de última hora: R$ 15,987 bilhões.

O "festival de empenhos" no fechamento de cada ano já faz parte do calendário de Brasília. A correria acontece porque a verba que não passa por esse processo em um ano não pode ser aproveitada no ano seguinte. Uma vez empenhado, porém, o recurso se transforma em "restos a pagar" na virada do ano. Assim, ele pode ser utilizado em 2011 ou até depois.

"Esse açodamento é ruim porque a tendência desses gastos de última hora é ser de má qualidade", afirma o coordenador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco. "Compra-se o que está na prateleira", completa.

Orçamento. Um dos motivos da concentração de empenhos no fim do ano é a forma como o Orçamento Geral da União é administrado. Como ele normalmente sai do Congresso Nacional prevendo gastos num valor acima do que o governo acredita que terá de receitas, é feito um bloqueio de despesas (contingenciamento) para garantir o equilíbrio das contas.

O dinheiro é liberado aos poucos ao longo do ano e, nos últimos meses, uma vez confirmado que a arrecadação ficou acima do que era previsto pelo governo, ocorre um descontingenciamento maior. Os ministérios, então, precisam correr para iniciar o processo de gasto desses recursos, que começa justamente com o empenho.

Em novembro passado, por exemplo, foram liberados R$ 8,6 bilhões para empenhar. Segundo o levantamento da ONG Contas Abertas, a pasta que mais empenhou em dezembro foi o Ministério da Defesa, com um valor de R$ 2,2 bilhões.

O Estado pediu ao ministério exemplos de gastos executados no mês, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. "Certamente são gastos relacionados à contratação de projetos e obras ou à compra de equipamentos", acredita Castello Branco. "Não é para custeio", diz.

A pasta que aparece em segundo lugar entre as que mais empenharam em dezembro foi o Ministério dos Transportes, também segundo o levantamento. O valor empenhado chega a R$ 1,6 bilhão.

Entre os gastos iniciados pela pasta estão o relativo a um trecho de duplicação da BR-101, em Alagoas, estimado em R$ 100 milhões, e obras na BR-364, no Acre, também estimadas em R$ 100 milhões. Estão na lista, ainda, R$ 25 milhões para a via expressa de Salvador e R$ 50 milhões para a manutenção da malha da BR-116, em Minas Gerais.

Gravidade. O elevado volume de empenhos de última hora e o consequente acúmulo de restos a pagar virou um problema que já chamou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU). O tribunal vem destacando o volume crescente, fato que se agravou depois do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Como o andamento das obras do PAC é lento, acumulam-se restos a pagar. Em 2009, por exemplo, o governo federal tinha R$ 57,068 bilhões para investir, mas a conta de restos a pagar das obras contratadas nos anos anteriores era de R$ 50,850 bilhões.

A estimativa da área técnica é a de que Lula deixará para sua sucessora, a presidente eleita Dilma Rousseff, restos a pagar da ordem de R$ 85 bilhões a R$ 90 bilhões. Nessa cifra estão incluídos todos os gastos do governo, como investimentos, salários e aposentadorias, entre outros.