Título: Psicanalista tenta ajudar os viciados em crédito
Autor: Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/01/2011, Economia, p. B1

Cheque especial e cartão são caminhos mais fáceis para atender ''necessidade de posse''

Viver permanentemente no cheque especial e no cartão pode indicar um problema: é a ilusão da vida baseada no crédito. "Isso tem criado ilusão de posse, de renda, na vida das pessoas que passam a consumir como se fossem muito mais ricas que efetivamente são", diz a psicanalista Márcia Tolotti que tem viajado o Brasil para tentar ajudar pessoas a diminuir a dependência do crédito.

A psicanalista gaúcha é frequentemente contratada por empresas para ações de educação financeira que tentam acabar com o que ela chama de "vício de crédito". "A partir do momento em que o crédito vira uma condição quase normal para viver, surge o problema. Do ponto de vista racional, todos sabem que isso não deveria acontecer. Mas a necessidade de posse fala mais alto e as pessoas passam a agir para ter o que não podem e o cheque especial e o cartão são os caminhos mais fáceis", diz.

Empresas têm contratado pessoas como Márcia porque o fenômeno começa a prejudicar a produtividade de algumas companhias. Normalmente, o comportamento que chama atenção dos empregadores começa com o funcionário que toma empréstimo com desconto em folha, o crédito consignado. Várias semanas depois, ele aparece no departamento de recursos humanos e pergunta se é possível pegar um vale ou antecipar o pagamento das férias. Algum tempo depois, o destino muda para o ambulatório, onde ele declara problemas de saúde como a depressão. "A empresa também passa a sofrer com a baixa produtividade", diz .

Após promover cursos e seminários para mais de 10 mil pessoas, Márcia diz que a "urgência da satisfação" é, aparentemente, o fator que mais deflagra o uso exagerado do crédito nos brasileiros. "É a desculpa do "eu mereço" e preciso me satisfazer agora. A ciência já mostrou que quando as pessoas compram é liberada dopamina no corpo, que é uma substâncias muito prazerosa e viciante", diz. "Mas as pessoas precisam ter estrutura para entender que essa alegria gerada pela compra é momentânea e não existe vida com bem estar supremo e constante".

Servidor público. A psicanalista observa que não é a renda que determina o descontrole das contas. "Já atendi pessoas com salário de R$ 700 e R$ 40 mil. Não há diferença no patamar do salário, é uma questão psicológica e de educação financeira", diz. Mas a especialista nota que há uma categoria que, proporcionalmente, parece ter mais problemas que a média: os servidores públicos.

"Talvez porque ele sabe que, aconteça o que acontecer, o salário estará na conta no próximo mês. Esse é um sujeito que é mais propenso a ficar exposto. Para ele, pode ser mais fácil tomar uma dívida porque ele continuará com o emprego, já que há estabilidade'', diz Márcia.